sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Demência Utópica

Insônia...

Dia incompleto de acontecimentos,

repleto de fantasias e realidades,

circulam-se fantasmas da madrugada,

o ronco da vida.

Uma doença ataca os mais fracos. FOME.


Pensamentos vagueiam por esquinas vadias,

percorrem montanhas tímidas

e telhados soturnos. DOR.


Em maquinações doentias,

transportam-me a um cenário de poder.

O poder de ser eu. PODER.


Divago inconseqüentemente.

Um trem caipira serpenteia a minha mente. SEMENTE.


Construindo estórias eloqüentes,

de vento que se desmancha em redemoinhos. DELÍRIO.


O êxtase da opulência ou a mágoa profunda da miséria. SENIL.


Simples como um camponês que vai a fonte matar a sede,

lavar o suor de um dia de trabalho. ESCRAVO.


Ato corriqueiro, ir ao teatro,

assistir a um espetáculo de Nelson Rodrigues,

Brecht, Vianninha, Millôr Fernandes. MENTIRA.


Os namorados de mãos dadas,

os velhos de mãos dadas,

o povo de mãos atadas.

Almas gêmeas. ALGEMAS.


Nada de novo,

não há mais milagres prá contar.

O gordo fazia mágicas com números. MINISTRO.


A realidade estremece

ao rigor da brisa do inverno.

Sob as marquises,

crianças, rapazolas amontoam-se sob jornais,

de notícias amarelecidas,

sobre o respiradouro,

calafetação do prédio,

viciado calor humano

que não afugentam a imundice.

Arco-íris do bem e do mal.

Diálogo sem metáforas,

frases soltas. INFERNO.


Lua diferente.

Rostos nunca vistos.

Desconfiança.

Conceitos nunca enfrentados.

Obstáculos a vencer.

A primeira face pode não ser a verdadeira. INCERTEZA.


Multidões de olhos te farejam como corvos,

olhares te acolhem na verdade não escrita. AUGÚRIO.


Caminhando na noite

desesperado busco a orgia.

Corpo farto à luxúria.

Descerra-se a cortina.

Casais seminus bailam

ao ritmo de sons, rataplãs,

uma luz vermelha, fugaz. ZONA.


Desamparado, rebusco refúgio,

nos braços morena escultural,

os lábios carnudos, formosa, solitária,

solidária de carinhos.

Trocam-se carícias contidas,

sussurros banais, gestos audaciosos.

O convite da noite faminta quer mais.

Sinopse de vidas repartidas,

as estrelas convidam a um contato maior.

Como um cego é guiado,

por mãos que o levam ao humilde lar. SOFREGUIDÃO.


Em impulso inesperado, vai-se afoito.

Adentram-se ruelas, estreitam-se os caminhos,

labirínticos becos da favela de má fama,

da má fama que há.

Descortina-se uma aventura fácil.

O amor não escolhe trilhos.

Os lábios da morena são por demais tentadores,

são ancas sinuosos, ondulantes,

provocadoras que desafivelam os obstáculos.

Menino novo, impetuoso,

segue o cheiro da fêmea que o faz destemido.

Caminha com a valentia dos medrosos

que já não mais podem retornar.

Cio de animais. SEXO.


A pobreza da favela se mostra de porta a porta.

Porta de madeira mal acabada.

As janelas não conseguem

dissimular a penúria de todo um ambiente.

Os gatos, os pardais e a coruja

assustados pelos cantos observam o passar a madrugada. MISÉRIA.


Juntos, abraçados,

como amantes eternos em lua-de-mel,

mãos deslizantes e bocas sedentas

parasitam-se de seivas suculentas. ALIMENTO.


Línguas se entrelaçam.

Babel de desejos se comunicando.

Tato, contato de cobiça, anseios.

Corpos se integrando.

Seios a amamentar lábios sequiosos. VOLÚPIA.


Língua a percorrer corpo,

poros, infinitamente amorosa,

a descobrir centímetros,

calafrios, frios, arrepios.

Rosados mamilos,

enrubescendo, intumescendo, ereto, vivo,

correspondendo a impetuosos apetites,

despejando desejos, latejando desejos. DESEJO.


Estremeço.

Sinto-me a corresponder,

mulata morena. FEBRIL.


Solidão desfeita em espasmos,

Corpos úmidos, unificados,

cordão umbilical refeito,

seiva do amor a transbordar. ORGASMO.


O suor macho-fêmea

quimicamente reagem

enchendo o ar de perfume doce. SUBLIME.


Os corpos descansam.

Mudas carícias iniciam novamente.

Reacende a chama, a fúria, a sede de amor. INCÊNDIO.


O malabarismo amoroso

refaz-se em novas posições.

Vai-e-vens, balé lubrificado de malícia. ALQUIMIA.


O feliz cansaço adormece os corpos saciados. ENFASTIA.


Insone,

permanece a rolar na cama na companhia

de impertinentes pernilongos insensíveis,

músicos grotescos e desafinados. VEXAME.


Nos desvãos da loucura,

escura solidão, vivência de

abandono. .


DEUS põe e dispõe. OMNIPRESENTE.


Água de bica

não tem lugar certo prá ir,

tanto pode ir para esquerda ou direita.

Encontra o caminho e vai. DESTINO.


Confusa cores e vozes,

difusas, roucas, finas e graves. MURMÚRIO.


Risos e choros,

gargalhadas e soluços. VIDA.


Nunca é demais,

nunca é sempre,

retorno ao início

factível, fictício

Dor do mundo,

dor imunda. FIM.


Ildefonso Vieira - 27/10/1986 ( 21:40 Hs) 28/03/2000 (18:24 Hs)

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