quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Professora Élvia Reis Andrade

Na edição nº 28, de 31 de outubro de 2007, o JORNAL DE GUIDOVAL publicou um artigo de minha autoria em homenagem à Professora Élvia Reis Andrade com o título de “Uma foto em busca de identidade”.


Ontem, recebi do amigo Dr. Plínio Augusto Meireles uma foto da querida professora Élvia quando exercia o nobre ofício de sua profissão.
Junto à foto, pó Plínio fez a observação “Mesmo fora da foto você poderia esta participando desta aula”.



Padre João Chrisóstomo Campos

Padre João Chrisóstomo Campos

Pároco em Guidoval por três períodos:
-    19-05-1940 a 28-02-1943
-    10-12-1943 a 10-08-1947
-    11-03-1950 a 30-10-1950

Tenho lembranças do Padre João. Minha mãe contava que lá pelos meus três anos de idade eu gostava muito de comer cabeças de galinha. Me diziam que o miolo (cérebro) de galinha era onde ficava o juízo e quem comesse muita cabeça de galinha ficava com juízo de galinha. O Padre João sabendo dessa estória, sempre que passava pela nossa rua, em suas andanças pastorais, e me via, me fazia uma pergunta fatal: “Plinio, você tem juízo”? e eu respondia: “tenho, Padre João”. E ele retornava: “de que”? e eu respondia:” de galinha”. E ele caía em gargalhadas, mesmo que a resposta estivesse sendo repetida.

Foi de suas mãos que recebi a primeira comunhão no ano de 1944, quando tinha apenas cinco anos de idade depois de ser preparado adequadamente pela então catequista D. Conceição Vieira.

Lá pelos meus sete ou oito anos ele se dispôs a me ensinar, e também a outros garotos da época, a ajudar na celebração da Santa Missa, respondendo a liturgia em latim. Com muita paciência e dedicação ensinou a mim, ao meu irmão Aulo, ao Manoel Avidago, ao Simeão Cruz e seu irmão Alcebíades, dos que me lembro.

Essa tarefa de coroinhas, ou também chamados acólitos, incluía além de responder à liturgia, também bater os sinos da igreja, chamando os fiéis para as missas e, no altar, durante essas, devidamente paramentados com uma batina vermelha e sobrepeliz branca, com barra rendada, bater as campainhas e levar até o sacerdote as galhetas com água e vinho, momentos antes da consagração.

Com frequência surgiam desentendimentos entre os coroinhas a respeito de quem faria o que durante as missas dos domingos e dias santos, quando quatro ou mais compareciam ao altar para as funções, considerando-se que apenas um levaria as galhetas e só havia duas campainhas.

Numa dessas entrei em desentendimento mais sério com um deles, não me lembro se o Manoel ou o Simeão, e o Padre João, mesmo sendo muito amigo do meu pai, o médico local, decidiu me suspender das funções e somente permitiu o meu retorno depois de eu escrever-lhe uma cartinha me retratando com o colega, pedindo a ele perdão pela minha falta de coleguismo e prometendo nunca mais repetir tal conduta.

Mesmo muito constrangido, mas não querendo abandonar a função de coroinha, não tive escolha senão me humilhar e escrever a tal cartinha, que deveria também ser endossada pelo meu pai, demonstrando que tomara conhecimento da situação.

Mesmo sendo muito enérgico, o Padre João quase todas as tardes reunia a garotada nas proximidades da Casa Paroquial e brincava com todos em forma de roda. Ao tempo em que a roda girava ele gritava: passarinho voa? A reposta: voa; urubu voa? R.: voa. Alguma vez: boi voa? Um gaiato respondia: voa; o padre caía em gargalhada e o coitado tinha que deixar a roda. Assim seguia até que sobrava um para contar a história.

Com toda sua dedicação religiosa e compreensão para com os fiéis católicos, era um ferrenho combatente do espiritismo, a ponto de nós, ainda crianças, nos sentirmos em pecado só por termos passado na porta do Centro Espírita local. Assim, quando eu tinha que fazer algum mandado de minha mãe na Rua do Sacramento, logo que atravessava o Córrego da Lajinha, tomava a calçada do lado oposto à do Centro.

O Dr. José Lincoln, um médico não mais lembrado, mas que atuou em Guidoval, juntamente com o meu pai, o Dr. Mário, nos anos da Segunda Guerra e algum tempo depois, me contou em Belo Horizonte, já nos seus 85 anos de idade, duas histórias sobre o Padre João.

A primeira era que, quando um espírita se mudava para uma casa próxima à igreja, o Padre João o atormentava até que o coitado acabava se mudando de lá.

A outra é que, apesar da sua convicção religiosa católica, o Padre era adepto do Integralismo. Assim num certo ano (não me lembro qual) durante a guerra, o Delegado de Polícia de Ubá intimou para depor na sua delegacia o meu pai, o Dr. José e o Padre João, todos integralistas. Os dois primeiros chegaram antes e esperavam pelo padre em um bar próximo, tomando uma cerveja.

Algum tempo depois chegava o Padre João com uma mala enorme. Espantados, perguntaram-lhe se ia fugir, e ele respondeu: “da última vez que vim aqui depor o delegado me prendeu e eu passei frio, fome e sede. Desta vez estou trazendo agasalho, água e biscoitos”.

De qualquer forma, foi um pároco muito querido e respeitado no antigo Sapé de Ubá, e suas ações condiziam com o comportamento naquele momento histórico, onde o padre tinha grande autoridade na sua paróquia.

Naquela época, quando um fazendeiro convidava o padre para uma celebração na região da sua fazenda, também compareciam outras autoridades locais. Geralmente depois da missa era oferecido um gran-de almoço, um banquete mesmo, onde os melhores pedaços do frango eram para o padre (médico das almas), os seguintes melhores para o médico do corpo e, os demais...

Nessas ocasiões nós, os coroinhas, nos deleitávamos como auxiliares do padre e aproveitávamos gulosamente da mesa. O Manoel Avidago chegava mesmo a afrouxar o cinto.

Mesmo não sendo um saudosista que gostaria de voltar o tempo e reviver o passado, me recordo com prazer aqueles momentos alegres e descomprometidos que vivíamos, num momento em que o mundo girava mais lento e tínhamos menos pressa para tudo.

Bom mesmo foi que eu estive lá, vi acontecer, agora estou aqui e estarei ainda por não sei quanto tempo mais, em futuro próximo ou longínquo.

Brasília, 27 de agosto de 2013
Plinio Augusto de Meireles