quarta-feira, 13 de março de 2019

03 - SERTÃO PROIBIDO


03 - SERTÃO PROIBIDO

Em 1910, a passagem do Cometa Halley provoca alvoroço no mundo. Muito se falou no fim dos tempos. No povoado do Sapé não foi diferente. Ignorantes, sabidos, zambetas, todos de boa fé correram à Igreja Matriz de Sant'Ana a rezar em busca de um lugar ao céu, rogando a Deus perdão pelos pecadilhos que todo ser humano comete. Padre João Caetano da Encarnação confortou os seus fiéis, não sem antes orar umas dúzias de Pai-Nosso e algumas centenas de Ave-Marias. O cometa passou e só deixou um rastro de beleza nos céus sapeense.
Morre a 22 de janeiro de 1922 o Papa Bento XV. Na velha Igreja Matriz de Sant'Ana o Padre Vicente Cunto Pinto e toda comunidade reza pela alma do líder católico. Em fevereiro realiza-ser a Semana de Arte Moderna. Reflexo do movimento modernista surge em Cataguases a Revista Verde em setembro de 1927. Um dos participantes é o jovem conterrâneo Ascânio Lopes QuatorzeVoltas autor da poesia “Serão do menino pobre”, da qual transcrevo o trecho:
“Quando Mamãe morreu / o serão ficou triste, a sala vazia. / Papai já não lia os jornais / e ficava a olhar-nos silencioso. / A luz do lampião ficou mais fraca / e havia muito mais sombra pelas paredes... / E, dentro em nós, uma sombra infinitamente maior”.
Em 07 de setembro de 1923 reduziu-se o nome da Sant'Ana do Sapé para apenas Sapé. A mudança toponímica não foi motivo de grande euforia, nem houve entusiasmo na comemoração de 101 anos da Independência, o povoado almejava a sua autonomia administrativa. Em 03/04/1927 é criado o Apostolado da Oração.
Com a presença do Presidente do Estado de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, inaugurou-se o Monumento do Guido, na Serra da Onça, em 13 de agosto de 1928, em homenagem ao civilizador que dedicou 23 anos de sua vida a apaziguar e educar indígenas.
Por um breve período, 01/08/1936 a 17/11/1937, governou a Prefeitura de Ubá o médico Dr. Theóphilo Moreira Pinto, pai de Cybele que depois se casou com Ozanan Coelho. A beleza encantadora das sapeenses Cybele e Ilca de Castro Arantes, que se casou com o Dr. José Campomizzi Filho, fez com que ele, mais tarde, espalhasse aos quatros ventos que “Guidoval era a terra das moças mais bonitas do Brasil”. Segui os conselhos do sábio Promotor de Justiça e casei-me com uma guidovalense: Maria de Lourdes Ribeiral.
Depois de mais de 30 anos um novo jornal aparece no Sapé. É a “Voz de Sapé” dirigido por Theophilo Braz Pereira de Mendonça e tendo como Redator o Prof. Aristides Rocha. O primeiro número saiu escrito “Villa de Sapé, 23 de outubro de 1938” e já combatia o vício do fumo dizendo-o “anti-higiênico, tóxico, é um tirano que brinca com o seu escravo viciado”, num artigo assinado por Mário Reis. Condena o “costume deselegante” de uso de armas como facas, punhais e até mesmo pistolas e garruchas de todo calibre, texto escrito por Amadeu dos Santos. É recebido com entusiasmo pelo jovem Sebastião Lisboa Andrade, cujo texto reproduzo em parte:
“Voz de Sapé é a voz das montanhas, das cascatas, dos rios, dos lagos, de Sapé de Ubá. É a voz do sol que doira as campinas rociadas de luz e de vida, da terra de Guido, o desbravador, é a voz da Noite que acalenta o sono da alma sapeense, varonil e intrépida.”
Infelizmente durou pouco esse periódico. Uma pena, pois era muito bem escrito. Cheio de ideias e ideais. Não tinha propagandas, talvez daí a sua rápida passagem pelo nosso povoado. Como se sabe a propaganda é alma do negócio. Por essa época Turunas e Sapeense alegravam os folguedos carnavalescos do povoado em pleno desenvolvimento.
No dia 8 de maio de 1940 toma posse na Paróquia de Sant'Ana o Padre João Crisóstomo Campos. Dinâmico, logo faz um inventário dos bens da igreja, identifica as necessidades e carências da paróquia, abre um Livro do Tombo e inicia a sua administração.
Em 1943 o Distrito do Sapé teve seu nome modificado para GUIDOVAL, em justa homenagem a seu fundador o Coronel Guido Thomas Marlière L'age, esse plantador de cidades em Minas Gerais. O mundo em plena Guerra Mundial nem percebeu que na Zona da Mata de Minas Gerais um francês tivera a honraria de ser nome de um povoado em venturoso progresso. Os novos guidovalenses, sapeenses para sempre, festejaram o acontecimento. Entre setembro de 1944 e maio de 1945, 25.000 soldados brasileiros combateram na Itália. Lutaram conta o fascismo, o nazismo, em defesa da liberdade e democracia. Nos campos italianos morreram 465 soldados brasileiros e 3.000 ficaram feridos. A crueldade da guerra não poupou guidovalenses que derramaram sangue e sacrificaram suas vidas nos campos de batalha na Itália.
No dia 2 de março de 1948 estava em Belo Horizonte a “Comissão Pró-Emancipação de Guidoval” integrada por Padre Sinfrônino Almeida, Manoel Reis Moreira, Astolfo Mendes de Carvalho, Dilermando Teixeira Magalhães e José de Azevedo Costa. Visitaram o Secretário do Interior, Dr. Pedro Aleixo, e se encontraram com o Governador Milton Campos para tratar da emancipação de Guidoval. O jornal belo-horizontino, “O DIÁRIO” publicou matéria sobre o assunto.
Rua Sete de Setembro (Fundão). Foto do séc. XIX de Dr. Manoel Basílio Furtado
Em 04 de abril de 1948, Dr. Artur Furtado, publica longo artigo no jornal “Folha do Povo” de Ubá onde manifesta a importância da Emancipação de Guidoval. Por essa época, Dr. Artur mantêm intensa correspondência com o amigo Deoclécio Lopes Catete. Trocam idéias sobre Guidoval, emancipação, nome e instalação do município, das obras essenciais, emergentes e urgentes para a cidade recém-criada. São sentimentos de homens altruístas, pensando no bem da coletividade. Dr. Artur é filho do Dr. Manoel Basílio Furtado de quem herda o amor pela nossa terra.

Na década de 30, presidiu o Conselho Distrital do Sapé, ocasião que foi adquirido prédio que depois abrigou classes de aula das Escolas Estaduais Reunidas. Era o casarão que serviu de sede à velha prefeitura. No porão ficava a cadeia. Hoje é Prédio Administrativo e Clube “Álbero Campos”. Dr. Artur, depois se mudou para Belo Horizonte trabalhando na Secretaria de Educação. Residindo na capital do estado, se transforma numa espécie de embaixador de Guidoval, atuando nos bastidores para a emancipação do nosso município.

Daí a minha certeza:
Guidovalense não parte. Reparte!
Uma parte fica. Outra parte, parte!

(Fim da primeira parte – publicada no Jornal de Guidoval em Janeiro/2006)

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