quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Margem de erro nas pesquisas por Dr. Plínio Rafael Reis Monteiro



Margem de erro nas pesquisas
(publicado hoje, 23/10/20140, no jornal Estado de Minas)

escrito por Plínio Rafael Reis Monteiro (Doutor com 10 anos de experiência em pesquisas de opinião e mercado, fundador do instituto Analysis, professor e subcoordenador do curso de Administração da UFMG)

Vivemos um curioso momento político no Brasil. Muito além do acirramento dos ânimos sobre o pleito do próximo dia 26 de outubro de 2014 e da visível polarização do discurso político, as pesquisas eleitorais tornaram-se instrumentos de militância. Vemos esses estudos sendo divulgados nas redes sociais e no WhatsApp com a mesma exaltação que os resultados dos jogos do Campeonato Brasileiro, o que pode influenciar atitudes e a votação que se aproxima.

Chama a atenção que, apesar do arrefecimento do debate, é nítida uma crescente desconfiança sobre a “margem de erro” das pesquisas eleitorais, apesar dos recentes e valiosos avanços na legislação pertinente do TSE. Mesmo assim, observamos perplexos (ou maravilhados, dependendo de sua preferência) as enormes diferenças nas pesquisas de diferentes institutos, e, mais ainda, o resultado das pesquisas “boca de urna” e a votação presidencial do primeiro turno. Mas por que isso ocorre? Podemos tecer alguns direcionamentos.

Em primeiro lugar, como tipicamente defendem os institutos, as opiniões dos eleitores podem mudar por causa da dinâmica das campanhas políticas. Apesar de plausível, isso não poderia explicar as diferenças maiores que as margens de erro nos resultados de pesquisas em períodos similares. Pode-se ilustrar esse dilema pelos resultados de pesquisas realizadas por institutos diferentes no período entre 14 e 17 de outubro, amplamente divulgadas nas mídias e comemoradas pelas respectivas militâncias, uma apresentando vantagem numérica para Aécio, fora da margem de erro, e na outra ocorrendo empate técnico. Seria pouco provável que resultados como esses se devem a mudanças de opiniões, dado que os períodos de realização são basicamente os mesmos.

Uma segunda razão, essa a causa fundamental de desconfiança por parte do eleitor e da opinião pública, são questionamentos quanto à idoneidade daqueles que realizam ou contratam a pesquisa. Apesar de possível, dadas algumas brechas na legislação do TSE, esse não precisa ser o caso, o que nos leva à terceira e mais provável causa: a metodologia de cada instituto é diferente, cada um estabelecendo uma forma, entre as permitidas pela legislação, para selecionar os municípios e os eleitores que participam da pesquisa.

Para entender essa possibilidade, é necessário considerar que o fundamento central por trás da margem de erro nas pesquisas de opinião é a seleção aleatória da amostra. Esse princípio secular, que nos remete aos famosos estatísticos Carl Friedrich Gauss e, já no século 19, ao americano George Horace Gallup, indica que você deve selecionar os municípios e respondentes literalmente jogando os dados, ou seja, selecionando os eleitores de forma aleatória. Sem isso, qualquer margem de erro está definitivamente errada. Mas como isso funciona na prática?

Em princípio, a maior parte das pesquisas eleitorais de abrangência nacional seleciona municípios em todos os estados da federação, e a chance de cada município participar é, tipicamente, proporcional ao tamanho da população eleitoral de cada cidade. Em outras palavras, cidades com maiores populações têm mais chance de participar da pesquisa. Para contrabalançar o fato de que cidades maiores e menores podem ser redutos eleitorais de diferentes eleitores, as empresas podem ainda dividir as cidades por grupos, de acordo com o porte (número de habitantes) ou o PIB. Assim, tipicamente, seriam sorteadas cidades que representam um espelho fiel do Brasil.

Infelizmente, esses critérios de seleção não são definidos na legislação atual, e um instituto poderia, intencionalmente ou não, selecionar municípios que favoreçam determinados candidatos, por exemplo, aqueles com maior PIB ou outros com uma população menor. E depois atribuir essa “culpa” ao acaso. Mas, de posse da lista de municípios e da metodologia do estudo, que devem ser registradas no TSE, auditores independentes poderiam avaliar se essa seria a seleção adequada ou se a chance de o sorteio indicar aquelas cidades em particular é menor do que a de você ganhar a próxima loteria. Se for o segundo caso, você, eleitor, poderia pedir ao instituto que escolha os números para apostar na próxima Mega Sena ou acreditar que realmente tem alguma coisa errada na pesquisa.

Mas não acaba por aí. Após sortear os municípios, como reza a cartilha sugerida por Leslie Kish, seria preciso selecionar aleatoriamente regiões menores para a pesquisa. No Brasil, essas regiões tipicamente são distritos, bairros ou, mais usual, setores censitários do IBGE (divisões do território que contêm entre 150 e 250 domicílios). Essa seleção deveria ser aleatória, mas respeitando a quantidade de eleitores nessas regiões. Ao chegar ao local sorteado seriam feitas entrevistas “sistemáticas” em domicílios, de modo a cobrir a maior parte das pessoas que ali residem, mas sem privilegiar nenhum grupo em particular. Para garantir isso, as entrevistas ainda deveriam preencher “cotas” por sexo e idade, entre outras, de forma que a amostra seja bastante similar à população brasileira. Ufa! Mas e daí?

Muito simples. Alguns renomados institutos têm abandonado a seleção de indivíduos nos domicílios e realizado entrevistas nos chamados “centros de aglomeração”, ou seja, nas ruas. Apesar de selecionarem as regiões segundo critérios estatísticos, quem vai responder à pesquisa é quem está ali passeando pela rua, nos pontos de ônibus, nas lanchonetes e nas padarias. Feche os olhos e tente imaginar as pessoas que estão ali. Aposto que você não imaginou um milionário, uma socialite ou um artista global. São as pessoas comuns que ali estão: o povo. Como as pesquisas têm demonstrando uma divisão da preferência do eleitorado se divide pelo perfil de escolaridade e renda, fatores muitas vezes ignorados para estratificação da amostra, acabamos com uma amostra que é “muito mais popular” que a população brasileira, o que mostra resultados que podem privilegiar um candidato na disputa.

E por que os institutos têm feito isso? Uma razão simples: contenção de custos que se tornam mais críticos devido às pressões exercidas pela concorrência e pelos custos operacionais (mão de obra, vale-transporte e alimentação). Como é muito mais fácil entrevistar qualquer pessoa que esteja passando na frente do pesquisador, do que sair batendo de porta em porta para pedir pelo amor de Deus para responder a uma pesquisa, essa acaba sendo uma escolha comum.

Essas duas condições metodológicas indicam que, muitos institutos, buscando a redução de custos ou por razões mais obscuras, a critério do leitor, acabem obtendo opiniões que não representam fielmente a população brasileira. E o que acontece com a margem de erro então? Bom, ela fica errada: muito maior que a sugerida pela pesquisa.

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