terça-feira, 3 de agosto de 2010

TRÊS DIAS NA UTI


No dia 25 de junho passado, depois de ter comemorado no dia 20 os meus 70 anos em alto estilo, seguindo uma tradição japonesa, trajando um lindo Blazer Vermelho, senti pela sexta vez um certo incômodo que me levou a uma consulta médica na emergência do Hospital Santa Lúcia em Brasília.


Na verdade tinha antes me dirigido a uma Clínica Cardiológica a procura de um médico meu amigo e também piloto de avião no nosso aeroclube de ultraleves, o Dr. Maurício Bese. Como ele não se encontrava em Brasília por ter ido a um Congresso Médico em São Paulo, me dirigi à referida emergência.


Sem muita demora fui atendido por um cardiologista, o Dr. Paulo Ricardo que, posteriormente vim saber que também pertencia à clinica que antes procurara e também amigo do primeiro médico que procurei.


Concluídos os exames ele me sugeriu a internação imediata, mesmo que o eletrocardiograma não tivesse apresentado alterações significativas, mas porque uma enzima, a troponina, apresentara um resultado quase seis vezes maior do que aquele tido como aceitável.


Como era de se esperar, ficamos surpresos e impactados, eu e a minha esposa, em vista daquela sugestão. Mas, depois de algumas justificativas percebemos que o mais sensato seria mesmo atender às recomendações e partimos para as providências seguintes.


Foi solicitada uma radiografia do tórax e, mais tarde, um novo exame de sangue que, ao ser concluído, verificou-se que aquela enzima havia ultrapassado em muito o resultado já nefasto do exame anterior. Ao tomar conhecimento do novo resultado o médico não teve dúvidas ao me encaminhar para a UTI, onde deveria passar aquela noite em preparo para ser submetido a um cateterismo na manhã do dia seguinte.


Levado para a UTI passei a observar com muita atenção aquele ambiente que adentrara pela primeira vez. Antes, nem mesmo em visitas. Com exceção de mim, outra senhora e os enfermeiros, todos os demais pacientes estavam entubados e inconscientes. Não houve correria nem sobressaltos naquela noite. Tudo transcorreu com bastante calma e os enfermeiros se desincumbiam de suas tarefas aplicando as medicações recomendadas a cada paciente e conversavam um pouco comigo, o único que estava totalmente lúcido e alerta.


Depois da meia noite reduziram a iluminação do local, mas eu continuei acordado sem pensar em nada. Esvaziei a mente como se me tivesse entregado a uma meditação. Algum tempo mais tarde comecei a avaliar a situação em que me encontrava: não havia imaginado antes que poderia me encontrar tão cedo (mesmo aos 70 anos) num ambiente hospitalar para tratamento, muito menos numa UTI. Mas agora estava lá. Cheguei a pensar que poderia não ver a luz do próximo dia e longe da minha mulher e dos meus filhos. Isto, porém não me meteu medo. Estava totalmente tranqüilo. E, caso fossem meus últimos momentos, não me lembrava de nada do que tivesse que me arrepender, de ter que pedir perdão a alguém por alguma falta. Não que me considerasse perfeito. Também não fiz nenhuma oração e pedidos especiais de última.


Sempre admiti que arrependimentos não fazem sentido; as nossas ações e atitudes geram conseqüências que, se indevidas, devemos responder por elas e ressarcir as perdas; se boas, receberemos as glórias.Se fosse realmente o meu fim, para mim estaria de bom tamanho. Afinal já havia comemorado os meus setenta anos de uma vida que não poderia dizer que não tivesse sido muito boa. Alcancei tantas coisas que me deixaram muito feliz. Tive uma infância sem problemas, bastante feliz numa cidade do interior de Minas, Guidoval, onde também passei a adolescência, somente fora de lá quando interno no Ginásio São José em Ubá no ano de 1952 e me mudando de lá para Ubá em 1956, para cursar o segundo grau, naquela época o curso científico. No ano de 1958 fui para Juiz de Fora em razão da convocação para o serviço militar. Em 1959, Belo Horizonte. Aí permaneci até a minha formatura em medicina veterinária, profissão que abracei por opção e exerci com muito gosto e responsabilidade, tanto no meio rural, em Corinto-MG e em Pedro Leopoldo-MG e depois, na área burocrática, em Belo Horizonte e Brasília, esta última, depois de ter cursado o mestrado em Administração Rural em Lavras - MG, com defesa de tese em Cooperativismo. Em minha trajetória de trabalho executei tarefas várias, às vezes muito diferentes da minha formação profissional básica, mas a todas me dediquei com prazer e seriedade me desincumbido bem nas mais diversas situações. Durante a minha nova passagem pela Universidade também exerci a função de Professor Visitante lecionando as disciplinas de Difusão de Inovações e de Transformação Tecnológica.


Tive um excelente e sólido casamento em 1968, com minha primeira e única mulher Leise e três filhos Alex, Erick e Plínio Augusto, dos quais sempre me orgulhei pelo caráter e conduta em todos os momentos de suas vidas.

Tive e tenho amigos da melhor qualidade e sinceridade que muito me consideram assim como eu a eles.

Tudo isso e muitas coisas mais me passaram pela cabeça naquela noite e também nas duas outras que se seguiram. Mas em nenhum momento tive medo ou angústia.


Por fim, tive até a visita do meu irmão Aulo que mora em Belo Horizonte e não sai de casa para nada, salvo às vezes ir à casa do Tio Menoti Marotta ou do primo Zé Cucuia (José Gonçalves Marotta), que decidiu não perder, talvez, a oportunidade de me ver pela última vez, se fosse o caso. Veio acompanhado pelo seu filho e meu sobrinho também chamado Aulo Marcus.


Em momento nenhum duvidei que a minha ausência não seria sentida por familiares e muitos amigos, mas, a respeito disso eu nada poderia fazer porque acredito que cada um de nós teve, tem ou terá o seu momento de partida, não importando a idade. E, situações como essas somente nós mesmos poderemos estudar, avaliar e admiti-las com maior ou menor sofrimento dependendo das nossas concepções e convicções.


Da minha parte creio que já atingi um grande progresso nesse particular, já que não mais passo por grandes sofrimentos pela morte de alguém, pelo menos por agora, o que não me impede de ter saudades de quem partiu. Porém entendo que é inevitável que alguém parta quando chega a sua hora. E para isto não é necessário que se tenha uma crença religiosa. Basta observar a natureza e constatar que tudo que nasce um dia morre. Homens, animais, plantas etc. Tudo tem seu fim, vivos e inanimados. Se tivermos alguma crença é possível que nos ajude um pouco, mas quase sempre se justifica uma partida admitindo que seja a vontade de Deus. Se isto servir para consolo de alguém, melhor para quem assim pensar.


O fato é que se pode nascer morto, morrer com um ano de vida, com 50 anos, cem ou mais, mas nenhum de nós será eterno em um corpo físico. Em espírito, porém, eu acredito.

Uma crônica deveras interessante para se iniciar uma reflexão sobre o tema é de autoria de Rubem Alves no seu livro “O Médico”, no capítulo VII, que não me canso de reler. Refletindo sobre o que ele escreve, pode-se avaliar que, apesar de todo o nosso sentimento, é inútil brigar contra o inevitável e o que não podemos deter com toda a nossa tecnologia.

Ademais, uma pessoa que estava à minha frente num leito da UTI, já há mais de 15 dias, todo entubado, com ponte safena, diabetes, falência renal com hemodiálise diária, sem a menor possibilidade de ficar em pé novamente... Mantê-la assim eu não acredito que seja demonstração de amor. Apenas desincumbência, retardar o inevitável, prorrogar o sofrimento dos familiares e engrossar a conta do hospital sob a desculpa do cumprimento ético do dever.

Apesar de estar bem lúcido e bem disposto, de maneira nenhuma descartei a possibilidade de uma piora ou mesmo de não ver a luz do sol do dia seguinte. Assim, pedi ao médico que me assistia naquela circunstância que quando meu coração decidisse parar de bater, que não o estimulasse a fazê-lo por mais algumas horas ou mesmo mais uma semana. Me deixasse partir em paz. Por isto, eu o agradeceria. Não gostaria de passar meus últimos momentos numa empresa de saúde (ou de doença), longe dos meus familiares e amigos. Gostaria que eles me dessem a mão até o portal do abismo, porque dali para frente eu teria que ir sozinho, tal como aqui cheguei.

Contudo, apesar dos acontecimentos, continuo bem vivo e bem disposto para continuar a minha jornada vivência. Se esta foi apenas continuação ou prorrogação, não importa por quanto tempo. Procurarei aproveitá-la da melhor maneira possível junto aos meus familiares e amigos sem traumas ou preocupações e muito menos, sofrimentos.

O melhor tratamento que tive, a exatos quinze dias depois da intervenção, foi o convite do meu filho Erick para ir voando de ultraleve a Curvelo – MG, dividindo com ele a pilotagem da aeronave.


Belo Horizonte, 18 de agosto de 2009, 22,45 horas
Plínio Augusto de Meireles

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