Fabiano, um guidovalense apaixonado por
sua terra
Hoje, completa um mês que o meu
amigo e conterrâneo Fabiano Avelino da
Silva partiu para a Eterna Morada. “Na
casa de meu Pai há muitas moradas. Não fosse assim, eu vos teria dito. Vou
preparar um lugar para vós”. (Jo
14, 2).
No dia 20/03/2021, sétimo dia
do seu falecimento, pedi ao Santuário de
Aparecida a celebração de uma Missa para a alma do meu amigo, vítima da cruel
COVID que roubou a vida do filho do Sô Manoelzinho que jogava damas com o meu
saudoso pai Zizinho do Marcílio.
As minhas primeiras lembranças
do “Bim do Manezim da Jovita do Chico do
Padre” vem da minha infância morando na Praça Getúlio Vargas. Isto em 1963.
Éramos quase vizinhos, pois ele morava no primeiro casarão, à esquerda, na
chegada da estrada de terra Ubá-Guidoval. (Ver
pintura da Denise do Virgilinho).
Descendente de uma família
musical, Fabiano desde cedo se interessou em aprender a tocar violão e passou a
estudar com o barbeiro Sô Nilo. Junto como ele, tinha o aluno Domingos Coelho
da Silva. O Sô Nilo, que além de barbeiro, tocava violão, banjo, bandolim,
violino e cavaquinho. Compunha as suas músicas. Gostava de contar a história de
dois alunos, um enciumado do outro, no aprendizado do violão. A eles dedicou o
chorinho “Despeitado”. Fabiano
guardava, com orgulho, a gravação deste chorinho.
Das aulas e dos saraus musicais
em família, foi um pulo para as serenatas pelas ruas da nossa cidade. Muitas
vezes acompanhada pelo primo e poeta Marcus Cremonese, que me revelou que “não
havia uma rota pré-estabelecida para o percurso da serenata, mas todas as
moçoilas eram contempladas com a nossa música. Do Sacramento o Fabiano me puxava pra Rua 5 de julho, a
meio caminho do Vai-e-Volta, pois
ali ele tinha um “cravo encostado”…”.
Disse em e-mail o Fabiano:
“Quanto ao "cravo encostado" na rua 5 de julho, caso
não seja antiético citar publicamente o nome da pessoa, sempre me orgulhei do
amor primeiro que dediquei à Miriam, filha da dona Luzia Reis. Não deu em nada,
mas o amor é mesmo assim, não tem estação de chegada. Continuo então até hoje
curtindo essa indescritível viagem que Deus me proporcionou. Sobrou, não
esqueçamos, uma fissura na borda do meu violão, resultado de um tombo que levei
na calçada da casa da minha amada, da minha musa idolatrada”.
Marquim
respondeu ao Fabiano, dizendo-lhe que “o amor nunca é antiético”. “Antiético é
o ódio, é a guerra. O amor é vida.”
Outra recordação, que guardo, é do dia 25 de julho de 1967. Marcus
Cremonese apresentou o seu memorável poema “De como eu amo uma cidade”.
Uma ode à nossa Guidoval. O evento foi no cinema do Severino Occhi. E juntos,
acompanhando o Marquim Cremonese, os inseparáveis amigos Ronaldo Ribeiro, Oscar
Matos, Vanderlei Vieira e Fabiano (Bim do Manezim).
Ainda dessa época, tenho um registro fotográfico do Fabiano e Marquim
fazendo “pose” no nosso campo santo.
Em 1.998,
tão logo criei o site sobre a cidade de Guidoval (http://www.guidoval.com), o Fabiano
me mandou um e-mail dizendo entre tantas coisas que “Guidoval
nos tornou tão grandes de orgulho, de vaidade, de lembranças e recordações!”.
Havia muito tempo que não tinha notícias do Fabiano e nesta ocasião fiquei
sabendo que ele tinha o Albergue da Juventude Rio
Bracui e uma Pousada
em Angra dos Reis. E a partir de então começamos a nos comunicar, com certa
frequência.
Ainda em
1998 recebi outro e-mail em que o Fabiano
Avelino da Silva, o Bim do Manezim do
Chico do Padre, dizendo-me que entrou na máquina do tempo, visitando, na internet,
o Site de Guidoval, relembrando um
fato acontecido com ele, por volta de 1.956 ou 1.957, quando tinha nove ou dez
anos, que abaixo transcrevo:
“Ali, criança ainda,
eu conheci, na essência, o heroísmo, o companheirismo, o sentido verdadeiro da
fraternidade humana. A fraternidade mais bonita, perfeita e meritória porque
saída de uma criança negra e pobre. O meu primeiro, verdadeiro e derradeiro Herói.
Sozinho, sem testemunhas, o ELOIR, guidovalense, jogador de futebol, salvou
minha vida nas correntezas dessa cachoeira, dando o máximo das suas forças de
criança, e uma coragem que jamais presenciei em toda a minha vida. Registro
aqui minha gratidão a esse até então desconhecido herói Guidovalense.”
“Aonde ele estiver,
que possa receber o meu abraço fraterno, e que a sua família possa se orgulhar
através do meu eterno reconhecimento.”
“Se eu pudesse
ergueria ali, às margens da Cachoeira, um monumento à vida, representado pelo
busto do ELOIR um Herói
Guidovalense.”
Recomendou-me
o ainda o Fabiano que transmitisse pessoalmente ao Eloir:
“Diga a ele também,
Dé, dessa minha felicidade. Que equivale a um grito tardio, mas eterno, do
maior gol que ele talvez tenha feito. Será que ele se lembra? Um gol molhado,
suado, e sem torcida, naquela pequena área chamada Cachoeira, desse grande e
espetacular estádio chamado Terra. O técnico, naquele momento, era o melhor e o
maior de todos, Deus. O time? Ah!... O goleador precoce já jogava no time da
Vida, o mais precioso.”
Tive,
então, a oportunidade de descobrir duas qualidades que glorificam o ser humano,
a Gratidão do Fabiano e o Heroísmo do Eloir.
Em 2004, Lourdes e eu, comemorando
Bodas de Prata, visitamos Fabiano na sua Pousada em Angra dos Reis. Ele me
contou que tinha um barco e navegava o trecho Angra-Niterói-Angra, pois tinha
residência em Niterói. Falou que pretendia deixar o ramo da hotelaria e dedicar-se
aos estudos. E de fato retornou aos bancos escolares, à vida acadêmica.
Em 2005 graduou-se em Pedagogia
pela Universidade Federal Fluminense. Fez uma brilhante Monografia: "Música na escola pública, mais que
necessária". Nela faz
referências a Barbearia do Sô Nilo, à "Corporação Musical Belarmino Campos" e ao site da cidade
de Guidoval. Abraçando a mais sublime das profissões, a de Professor, Fabiano participou
da formação, como monitor do projeto, da Educação
de Jovens e Adultos (EJA). Este trabalho, EJA GUARANI, um programa de estudos dos povos indígenas, foi premiado
com a medalha Paulo Freire.
“Desembestou” a
estudar. Realizou uma produtiva pesquisa na Serra da Onça que resultou na monografia de Pós-Graduação em
Educação Indígena, também na UFF,
para a qual a banca de avaliação recomendou a publicação.
Em 2008 concluiu o seu Mestrado.
A defesa da sua Dissertação intitulada de “Mitopoese
dos Tambores: Discurso e poesia no jongo” ocorreu em 29 de setembro de 2008
no auditório do IACS II, à rua Tiradentes, 148, Ingá em Niterói.
Imediatamente iniciou Doutorado na Universidad Del Mar, em Viña
Del Mar, no Chile seguindo a mesma linha de pesquisa da Resistência Cultural
através dos Cantos de Terreiro, confrontando com a Violência Simbólica.
Em 2006, no Sesquicentenário da Paróquia da Matriz de
Santana, comemorado no dia 1º de maio, Fabiano participou das festividades.
Assistiu a um emocionante desfile feito pela Escola Estadual Mariana de Paiva. O educandário dirigido à época
pela minha irmã, Professora Sueli Vieira Gomes, junto com os professores,
funcionários e alunos fizeram uma apresentação comovente narrando a história do
nosso município.
Na passagem do dia 28 para 29
de julho de 2006, Fabiano teve a privilégio de participar de uma serenata,
tendo como cantor o primo Cristiano (Juca Benjamin) e o violonista Lenício. São
momentos para não esquecer jamais.
Em 04/04/2009, minha saudosa
Mãe, Maria Madalena Vieira (Dona Tita) ofereceu uma recepção ao amigo Marcus
Cremonese, residente na Austrália e que estava de férias no Brasil visitando
amigos e familiaes. Neste link
(http://bloguidoval.blogspot.com/2009/04/serenata-em-guidoval-05042009.html)
pode-se ler a respeito e até assistir o vídeo do Cristiano cantando na Esquina.
No final de abril de 2010,
Fabiano e a esposa Sandra vieram a Belo Horizonte participar
do XV ENDIP - Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, no
Campus da UFMG, na Pampulha.
Na sexta-feira, 23/04/2010, à
noite, nos reunimos no Clube Palmeiras,
Lourdes, Thaís, Sandra e Fabiano. Tinha um “happy hour”. Num telão passava Bee
Gees, mas não prestamos ao show dos músicos australianos, precisávamos colocar a
prosa em dia. E falamos de Guidoval, dos índios Puris e Coroados, Guido
Marlière, serenatas, etc...
No sábado, 24/04/2010, pela
manhã, levei o casal à Lagoa da Pampulha
para visitar a Igrejinha São
Francisco de Assis, projetada pelo Niemeyer, com Via-Sacra de Portinari
e esculturas de Ceschiatti. Passamos
pela Praça da Liberdade para ver o conjunto arquitetônico que estava sendo
revitalizado. Encerramos a jornada no Mercado
Central onde o Fabiano comprou umas “linguiças”, uns queijos e requeijão e
feijão tropeiro. No "Bar do Mané
Doido", refrescamos a goela com umas cervejas Bohemia, tendo como
tira-gosto “Jiló com Fígado de boi acebolado”,
petisco marca registrada do mercado. Bons momentos!
Em outubro
de 2012, o Fabiano me manda um maravilhoso e-mail que agora vou compartilhar
com os meus amigos. Uma pérola:
“Há
quatro anos me "enfurnei" nos livros, realizando um sonho de criança,
sonho que originou minha primeira mentira, da qual jamais me esqueci. A
primeira mentira a gente jamais esquece”.
“Foi
uma das minhas primeiras e queridas professoras a Dona Ivone esposa do
Toninho Estulano, mãe da Eliane, que quis saber, em sala, quem tinha uma
biblioteca em casa. Sonhador, impulsivo, menti na lata.”
“Só
que bastaria ela atravessar a rua, numa inesperada visita à casa da vovó
Jovita, com quem eu vivia, para desvelar o maior mentiroso da paróquia
(paróquia do Padre Oscar). A biblioteca só existia na minha imaginação,
e convivi vários anos com o pavor daquela inesperada visita.”
“Cinquenta
anos depois, talvez, vi meu sonho realizado, porém bem distante
da inesquecível professora (e de todas as outras)”.
“Tudo
isso, Dé, pra te dizer que do meio de tantos livros lidos, de grandes teóricos
visitados, surgiu, como mágica, na minha biblioteca real, um pequeno
exemplar de apenas 22 páginas, que fundamenta, hoje, a minha tese de
doutorado em educação”.
“É
o Volume 2 dos Cadernos de Educação Básica - Diretrizes para a Política
Nacional de Educação Escolar Indígena, do (antigo) Ministério da Educação e do
Desporto.”
“Passaria
desapercebido, menos por um pequeno detalhe que circulei e fiz questão de lhe
enviar digitalizado:
Ministro da Educação - Murilio de Avellar Hingel
Secretário
Executivo - Antônio José Barbosa
“Ocorre
que, talvez, somente o próprio Il.mo. Secretário se lembre de quando,
ainda criança, exercitava efusivos discursos no meio da rua, para um seleto
público que, em realidade, ainda não estava ali, mas na imaginação do
talentoso orador que eu tive o privilégio de ver/ouvir desabrochar”.
“Minha
vaidade: não me contagiar pelos ingênuos
comentários daqueles que enxergavam somente “esquisitices de
criança” naquela paisagem sonora”.
“Meu
orgulho, que ainda se mantém: ter compartilhado espaços e sonhos com um
menino (bem mais novo) que já esbanjava talentos discursivos e nos brindava
diariamente com belas peças de oratória.”
“Tudo
acontecia no meio daquela rua onde existia, de um lado, uma grande professora,
no meio raízes da erudição verbal do menino Antônio, e do outro lado
da rua uma biblioteca imaginária na cabeça de um aprendiz de mentiroso.”
“Tudo,
porém, seguia emoldurado por uma querida vovó Jovita e um grandioso
vizinho, Antônio José Barbosa Neto,
que carinhosamente sempre, sempre me saudava parodiando um meu avô
materno que nem cheguei a conhecer, mas povoava a memória história do
querido e inesquecível Coletor Antônio Barbosa: "bim, ô minino
impordente, sô!!!"
“Então,
Dé, segue em anexo o documento-passaporte dessa viagem no tempo que me
trouxe gratas lembranças e que, talvez, leve você também para um
tempo quando, felizes, nadávamos nas enchentes do Chopotó, dos carás, dos
lambaris, bagres, traíras e dourados. Sem tragédias”.
“Deduzo,
assim, que os títulos não são meus, mas daqueles todos e todas
que me construíram como sujeito, dos quais jamais esquecerei. Nem mesmo
dos nossos ancestrais Puris e Coroados da Serra da Onça.”
Para
encerrar, recordo que no último dia 04 de março, recebi, pelo WhatsApp, um
áudio do Marquim Cremonese dizendo que o Fabiano fora internado com COVID-19. O
caso era grave. Pedia para rezar por ele. Rezei, orei. Pedi a intercessão de Nossa Senhora e Jesus Cristo pela saúde do Fabiano. Nem sempre as nossas preces são
atendidas. Fabiano Avelino da Silva faleceu
no dia 14/03/2021. DEUS sabe o que
faz. Resta-nos a Fé e a Crença na Ressureição e Vida Eterna.
Esta
é a minha homenagem póstuma ao amigo e conterrâneo Fabiano.
Que
Deus o tenha!
Ildefonso Vieira – Dé da Dona Tita do Zizinho do Marcílio
Sandra e Fabiano
Prof. Antônio José Barbosa
Sandra e Fabiano (UFMG)
Bar do Mané Doido (Mercado Central - BH)
Casa da D. Jovita (pintura de Denise, esposa do Virgilinho)