terça-feira, 3 de agosto de 2010

O INESPERADO FAZ UMA SURPRESA


Sempre vivi despreocupado com relação à minha saúde. Nunca fui freqüentador de consultórios médicos, à exceção dos oftalmologistas, desde os cinco anos, ininterruptamente, e dos dentistas, já que nunca fui demasiadamente cuidadoso com o trato bucal depois das refeições. Sempre me foi mais fácil acreditar na afirmação de um jingle da Gessy (1950) que literalmente afirmava: “Escove sempre os dentes pela manhã e logo após as refeições. Mas, se não puder... (música) Pela manhã escove os dentes com creme dental Gessy, e passe todo o dia com aquela proteção e bem estar que só Gessy pode lhe dar”. Pois, nunca me sentia mal. Apenas algum distúrbio digestivo devido a alimentos em excesso ou inadequados em algum momento, mas nada que um daqueles digestivos caseiros ou da farmácia popular não resolvesse. E, como nunca fui muito de abusar, raramente tive que apelar para tais recursos.

Sempre segui seguro de que minha saúde era bem estável e, apesar de reconhecer, pelo menos teoricamente, que eu não era invulnerável, acreditava que tão cedo eu não sofreria com qualquer problema. E assim seguia tranqüilo, fazendo minhas marcenarias, andando de bicicleta, caminhando, etc., mas comendo sem maiores preocupações. Acreditava que com toda a minha movimentação qualquer gordura ingerida ou produzida seria utilizada como fonte de energia. Mas, ledo engano. Uma certa quantidade resolveu se rebelar e não cumprir a sua missão de me fornecer energia, escondendo-se por sobre o meu coração e dentro de artérias, em lugar bem recôndito, acumulando-se em camadas e comprimindo ou obstruindo artérias.

Contudo, continuava fazendo tudo o que desejava com muito boa disposição, muita força física e alegria com tudo aquilo que fazia.

Estava a um mês do meu aniversário deste ano de 2009, quando completaria a 7ª década de existência no dia 19 de junho. Lá pelo início do mês, depois de terminar a confecção de três armários de cozinha para o nosso apartamento de Belo Horizonte, ao iniciar o empacotamento do primeiro, percebi que me sentia tonto e tinha uma ligeira pressão no peito, na região do externo. Interrompi a operação e deitei-me numa poltrona ao lado e, nada mais que cinco minutos, tudo voltou ao normal. Imaginei que tal incômodo fosse devido ao calor excessivo que se fazia no nosso hangar no aeroclube, coberto com telhas de amianto, próximo ao meio dia. Fui para casa e tudo continuou como dantes. Mas deixei registrado na memória esse evento que nunca havia acontecido antes.

Posteriormente esse evento foi repetido uma segunda vez após um pequeno esforço. Depois uma terceira e quarta, dias depois. A duração dessa indisposição não passava de dois a três minutos, bastando que eu permanecesse parado e mantendo a respiração profunda e pausada. Logo após tudo voltava ao normal, como se nada houvesse acontecido.

Já estávamos a três dias da semana da festa do aniversário, que seria realizada no dia 20 de junho, e os preparativos exigiam muita atenção, pois a maior parte do que seria oferecido aos convidados seria preparado em casa e principalmente por mim. Além disso, ainda não havia tomado providência com relação à roupa da festa, o meu tão esperado Blazer Vermelho. Entre outras coisas apressei-me em comprar o tecido e contratar um alfaiate. Apesar do tempo curto tudo prometia sair a contento. Nessa semana final senti o mal estar por mais uma vez. Essa repetição começou a me preocupar já que uma vez é casualidade, duas, coincidência e três ou mais é para se levar a sério.

Contudo pretendia procurar respostas depois de passada a festa do aniversário. Contava que tudo daria certo, mas temia passar mal durante o evento. Mesmo assim não disse nada a ninguém.

O dia 20 foi bastante trabalhoso desde a manhã. Muita coisa a fazer e nada poderia dar errado. Os caldos já estavam prontos desde a véspera e os salgados e doces encomendados. Mas tudo tinha que estar no local na hora certa. Nesse dia tive um ligeiro mal estar pela manhã. Pensei tratar-se de um estresse emocional pela espera da noite. Daí por diante tudo transcorreu conforme o esperado e a noite foi realmente magnífica.

Cheguei na hora certa no meu tão esperado traje: O Blazer Vermelho. Outro detalhe é que cheguei ao local dirigindo um Renaut Gordini ano 1966 que ficou em exposição fora do nosso hangar, ao lado do avião, um Zenair Stoll de dois lugares.

Os convidados chegaram e a festa transcorreu às mil maravilhas. Ganhei muitos presentes, os que mais aprecio: camisas, muitas garrafas de vinho de qualidade excelente, um iPhone, um GPS automotivo e muitos outros, todos muito de acordo com o meu gosto e utilidade.

A festa rolou noite adentro com muita música e muita animação até às 3,50 horas da madrugada.

No dia seguinte, domingo, dormimos até mais tarde. O dia correu muito bom e lembrávamo-nos da alegria da noite anterior. Fomos ao hangar buscar o que sobrou da festa e dar uma arrumada superficial.

Na segunda feira, conforme planejado deveria iniciar o meu retorno às caminhadas matinais e as pedaladas na bicicleta. Mas, devido a algumas tarefas por terminar, isto foi adiado para a quarta feira.

Assim saímos na quarta lá pelas 8,30 horas para uma caminhada inicial de 30 minutos. Durante o percurso senti novamente aquela incômoda pressão sobre o externo e também no alto da cabeça, à semelhança de quando se vai ter um enjôo de causa alimentar. Caminhava ao lado de Leise e não lhe informei o ocorrido para não gerar discussões. Simplesmente procurei reduzir o ritmo das passadas e em cerca de 2 a 3 minutos o mal estar passou, mas decidi que ainda naquela semana iria fazer uma consulta médica para averiguar o que se passava.

No dia seguinte, quinta feira, Leise tinha sua visita voluntária no Hospital Universitário da UnB e eu fui caminhar sozinho. Logo uns dez minutos depois fui novamente surpreendido pelo incômodo que já se repetia pela sexta vez. Achei que já era aviso demais para não ser levado a sério. Fiz uma parada para recomposição e passado o incômodo retornei ao apartamento com a decisão de ir à FASSINCRA, meu plano de saúde, retirar uma guia para consulta com um cardiologista nosso amigo e companheiro do nosso aeroclube.

Ao retornar ao apartamento dirigindo um Gordini-1966, que naturalmente não tinha direção hidráulica, ao sair do setor bancário norte com diversos movimentos de curva, o exercício levou-me de novo ao incômodo. Tão logo ingressei no eixo rodoviário sul, tudo reto, voltei ao bem estar. Quando cheguei ao apartamento Leise já estava em casa e eu então lhe informei das ocorrências e da decisão de ir ao médico. Com certeza isso lhe trouxe alguma preocupação, já que eu nunca reclamara de doença.

Ao chegar à clinica, o cardiologista a quem eu procurava estava viajando para um congresso em São Paulo. Assim, nos dirigimos para um atendimento na emergência do Hospital Santa Lúcia. Lá fomos atendidos com bastante presteza. Como a emergência era cardiológica, a primeira providência foi a realização de um eletrocardiograma.

Quando fui chamado pelo médico o eletro já estava em suas mãos e ele já sabia que nele não havia alterações significativas e, em seguida, constatou que a minha pressão também estava normal. Mas eu disse o que vinha sentindo e a freqüência com que se repetia; então ele pediu um exame de sangue e uma radiografia da região torácica.

Cerca de três horas depois, ao examinar os resultados, constatou que uma enzima cardíaca, a troponina, um indicador de enfartos do miocárdio, estava bem alterada. De um resultado aceito de 0,06 , apresentou 0,33. Isto levou o médico a solicitar outro exame mais tarde, cujo resultado passou para 1,36. Assim ele decidiu que deveria internar-me imediatamente para no dia seguinte submeter-me a um cateterismo e, dependendo das circunstâncias, a realização de uma angioplastia.

Quando já estava me alojando no apartamento, o médico, que já havia deixado o hospital, ligou para lá e decidiu que eu deveria passar a noite na UTI, por medida de segurança, o que acabou sendo feito.

No dia seguinte, sexta feira dia 26 de junho, depois de ter passado muito em a noite, devidamente medicado, fui submetido na parte da tarde ao procedimento previsto. Constatada a obstrução da artéria descendente em 99%, por placa de gordura, foram colocados dois “stents”, o suficiente para permitir o retorno da circulação sanguínea local. Em duas outras foi constatado obstrução parcial, que se espera poder reduzir com o uso de medicamentos, por isso não foi realizado outro procedimento naquele momento, aguardando-se o passar do tempo e novos exames para outras decisões.

Novamente passei a noite na UTI, sem qualquer alteração, com a promessa de no dia seguinte ir para o apartamento. Na verdade isto não aconteceu e eu passei ali a terceira noite, somente indo para o apartamento na segunda feira dia 29 de junho à tarde. Deixei o hospital no dia 01 de julho.

Durante todo o período que estive internado não tive qualquer tipo de padecimento e, para dizer que não senti nenhuma dor, a única foi por compressão forte no local onde fora introduzida uma cânula para o cateterismo, a fim de removê-la. Nada mais.

Os dias que passei na UTI foram tranqüilos; foi uma experiência muito interessante pelas observações que pude fazer; tive todo o tempo para pensar e refletir sobre muitas coisas e, mais uma vez, pude comprovar que não tenho o menor receio de passar para o outro lado da vida, muito embora também não tenha nenhuma pressa para mudar de endereço. Constatei que não tenho nada do que me arrepender e não guardo o menor sentimento de culpa e nem de mágoa de nada.

Até agora tudo o que gostaria de fazer, se não consegui, pelo menos tentei. Se não fui melhor pessoa ou melhor “ser humano”, foi porque ainda não atingi o meu limite e ainda estou a caminho do meu aperfeiçoamento.

Se tivesse partido, a última festa de aniversário dos meus setenta anos, de Blazer Vermelho, por si só teria coroado de êxito e dado um toque de nobreza aos anos desta minha existência.

Poderia até deixar saudades, mas partiria feliz para um outro mundo que tenho a certeza também me será “auspicioso” como diriam os indianos.

Brasília, 05 de julho de 2009
Plínio Augusto de Meireles

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