Carta recebida do Dr. Wilton Franco em
29/06/1976
São Paulo 27.6.76
Caro
amigo Ildefonso.
Foi na histórica data de 29 de JUNHO que nasceu o robusto
“baby” Ildefonso, mais tarde Dé para o público em geral e das arquibancadas.
A princípio, era um garoto ensimesmado, com ares
interrogativos e distante. Assim como se olhasse a plebe ignara como habitantes
de uma outra constelação...
... mais tarde o gosto pela música e a inclinação para o
lirismo poético, impregnaram aquela alma misantrópica com matizes mais
descontraídos e cores amenas e alegres deram à sua personalidade um toque mais pop.
Ele então passou a compartilhar, em parte, com os de suas
origens.
Procurou farejar o gosto e cheiro do povo levado por um
misto de procura, boemia, curiosidade, aventura romântica, resquícios
primitivos, índole caprichosa, amor, desilusão, idealismos latente com crises
periódicas de erupção, indolência silvícola, espírito comunitário... etc.
Porém, todavia, senão, contudo, aliás, guardou a sete chaves
a entrada do portão principal de sua morada.
Seu recanto particular continuou sendo uma terra exclusiva,
onde, vagamente de vez em quando, permitia uma penetração efêmera que não
possibilitava maiores vislumbres.
Defesa? Medo? Segurança? Insegurança?
Só sei que ele continua “se imolar” e vagar pelos seus mares
na ânsia de superar o obstáculo que o fará nascer em definitivo para a posição
que sonha ocupar.
Sendo um puro tem entrado em contradição com certos padrões
sofisticados que ora o atrai e ora o distrai.
Sua fome interior ainda não foi saciada e, por motivos
circunstanciais, se desajusta, de desloca, de desequilibra, se envolve.
Nele prevalece muito do sensorial, e de racional, envolto
por pinceladas de sentimentalismos ou de sentimental camuflado.
Ele agora está correndo, entende a necessidade do mergulho
na fonte da purificação suprema.
Porém, não se apercebeu de todo que a evolução é lenta e,
sobretudo consciente. Assim que se imbuir do justo momento de frear, sem
receios, sem temer enfrentar os opostos, eis que emergirá em forma concreta a
estrutura base...
... sobretudo um amante da vida.
...
Néctar dos deuses.
Meu caro amigo, sei que o momento não é hora para divagações
pseudo-filosóficas em torno da sua pessoa.
Pois, antes de mais nada, estou aqui para abraçá-lo e
reafirmar os convencionais VOTOS DE FELICIDADES no alvorecer de seu dia
particular (29 de junho).
Digo convencionais porque já se “instituiu” desejar
Felicidades ao semelhante, porém por trás da palavra felicidade esta o conjunto
de detalhes ou um único detalhe que estimula esta cobiçada sensação. Vai daí
que refiro esse estado de alma não só no dia 29 de junho como nos subseqüentes.
Sobretudo porque comemorar Aniversário tem a marca do Início
de uma nova Estação; é a natureza se renovando, se ajustando ao clima, o
estigma de um período que se delineia.
Logo sempre é tempo de recomeçar. Sem esse devotamento
incondicional ao deus Baco.
Que te passa homem?
em que profundezas queres sentir,
em que plano ou dimensão procuras?
em que lago ou floresta tu te escondes.
Será intensidade ou dispersão.
Que problema maior te aflige
nas solitárias e noturnas horas!
Vejo-te assim há algum tempo...
Vê no
que dá a ausência de conhecimentos concretos e de fatos contemporâneos sobre a
vida dos amigos!
A linguagem passa a ser simbólica e especulativa.
Um tiro no escuro.
As
deduções se baseiam em expressões faciais, corporais e atitudes temporais; tudo
em ais.
A essência escapa por onde perambula ou mesmo se está
acampado em alguma colina.
Quem sabe radicado nos eflúvios e mananciais da noite,
companheira velada, dissimulada, prostituta, num “trotoir” errante pelos becos,
mesas, bares e garrafas.
À espreita!
Ou um
caçador sem armas que embrenha pela mata à cata de fortes emoções e aventuras
diferentes; tudo se resume num amontoado de perguntas sem respostas.
No porão vai acumulando experiência ou inexperiência.
Como é que fica?
Olha Dé,
desculpa mais uma vez essa enchurrada ou enxurrada de palavras atiradas ao léu.
Na verdade, de tudo fica a minha ignorância sobre os seus
“anseios e frustrações” atuais, o desejo de me informar sobre eles (viva a era
da comunicação!), o desejo de que você se equilibre o máximo nesta dança do
ventre que é a vida.
Você tem me parecido preocupado, como que atingido por algum
acontecimento que lhe amarra os movimentos mais naturais.
Talvez, seja impressão infundada de minha parte. De qualquer
maneira o importante é que você vença este adversário.
Sempre se consegue quando ainda há vida e, dentro de você,
há muita semente para germinar, muitos frutos por colher, muitas estradas por
abrir, muitas batalhas por enfrentar, muitas serras por subir.
Confio no seu preparo físico, discernimento, capacidade de
luta e vontade de viver.
Tudo isso recordo nesta data magna porque ela é o ponto de
referência mais concreto de nosso avant-première na terra.
Desde então muita água jorrou e muito solo há por cultivar.
Aqui
planto o meu abraço.
Felicidades.
Do amigo
Wilton
PS: as
pessoas normalmente não respondem cartas de cumprimentos por ocasião do
Aniversário.
Mas como
você vê esta foi mais que uma missiva congratulatória, logo espero poder
receber (em) breve notícias e manchetes de seu ritual cotidiano.
Até
breve.
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