Um soco na
onipotência
escrito por Roberto Damatta (*)
Todo mundo deve saber que a onipotência
é o poder infinito e esmagador de um deus ou de uma figura dotada de
capacidades titânicas para o bem ou para o mal.
No Brasil, os onipotentes que chegam ao poder são idolatrados,
porque nossa cultura tem como base e modelo a gradação e a hierarquia e ambas
têm uma extraordinária afinidade com o puxa-saquismo, com a bajulação, com a
hipocrisia e com o bater em cavalo morto. É fácil torcer para o Brasil quando
ele é pentacampeão e é mais fácil ainda negá-lo mil vezes, como fez São Pedro
com Cristo, quando o Brasil perde de 7 a 1 para a Alemanha. Essa Alemanha que
voltou a ocupar o lugar de superior em tudo - disciplina, coerência,
treinamento e - quem sabe - a velha pureza racial que nós ainda lamentamos em
certas situações.
O passado não discutido com sinceridade volta. Ele é apenas
eclipsado.
*****
Começo essa crônica numa bela manhã e
domingo e estou irremediavelmente dividido. Um lado meu gostaria que o PT
perdesse - que fosse, para ser arriscadamente franco e para entrar em mais
algumas listas negras, defenestrado do poder (mas, note bem, jamais da política
brasileira). Um outro, porém, está convencido que Aécio achou o seu papel e o
seu tom e vai ganhar num segundo turno. Como essa coluna sai na quarta-feira e
o segundo turno vai ocorrer no dia 26, estou sendo moído pela angústia.
Angústia que hoje faz parte do meu modo de ser. Não saber o futuro e aceitar o
sofrimento é um modo de admitir a minha fragilidade diante da vida. Eu aprendi
esse segredo. Por isso, não fujo da minha angústia, mas deixo que ela se
manifeste e a recebo no meu coração. Procuro saber o que quer e, quando é
possível, tomo um Joãozinho Caminhador com ela o que nos envolve na felicidade
dos apaziguados. Dos que têm consciência de que, na vida, é preciso ter a noção
do suficiente para sermos relativamente menos infelizes.
Sempre soube que não sabia, mas hoje tenho a mais absoluta certeza
disso. Mas o não saber não me eximiu de ter declarado meu voto e ter sido
admoestado por algumas pessoas que, muito mais sábias, me alertavam do risco
que corria.
******
Pois bem. Aécio Neves, com sua
tranquilidade batalhou, enfrentou e virou o jogo. Foi o único que, no famoso
debate da Globo, falou que todos os candidatos a presidente e, por implicação,
a qualquer cargo eletivo - cargos que implicam não em grana e poder, mas em
servir ao Brasil - se somavam. Todos os presidenciáveis, disse ele, continuavam
projetos e planos que foram inventados e instituídos por seus antecessores. O
único partido que negou isso foi o PT, que realizou sistematicamente o discurso
Lulista do "nunca antes neste país" - exceto com ele e com o PT e
que, no governo Dilma, usa o onipotente "nós" como a chave em todos
os seus confusos discursos. O lulo-petismo está convencido (como ocorre com
todo radical) que o Brasil e o mundo começam com eles. Aécio foi o único que
falou numa continuidade de projetos como os de distribuição de renda que, em
vez de separar, juntam posições do PT com os do governo de PSDB.
********
Estou seguro de que esta eleição será,
com Aécio, a da descoberta da soma e da continuidade. O Brasil, amigos, é muito
maior que nós. Ele é um palco que não escolhemos para atuar e viver. A língua
que falamos e os lugares onde nascemos e adquirimos consciência de nós mesmos e
do mundo não foram inventados por nós. Do mesmo modo e pela mesma lógica de uma
implacável finitude que desmancha onipotências, um dia sairemos do Brasil por
mais que tenhamos achado que fazíamos todas as diferenças. Alguém se lembra do
ministro da saúde do governo Rodrigues Alves? Aliás, leitor culto e educado,
você sabe quem foi Rodrigues Alves?
*********
Um mundo em rede exalta individualidades, mas tem um lado oculto.
Ele nos obriga a ver como estamos presos uns aos outros e como o discurso
orgulhoso e valente do grande, mas iludido século 19 tem que ser modificado.
Não basta ser contra banqueiros ou contra o nosso sistema produtivo,
colocando-se no velho modelo dos revolucionários. É preciso saber como a rede
nos afeta quando um pedaço dela se modifica. Estar enredado não significa estar
enjaulado, mas se conhecer como uma parte menor, embora significativa, de um
país e de um planeta. Um todo que segue somente em parte planificado porque o
inesperado existe e faz parte - como prova essa eleição - da vida e do cosmos.
********
Acabo de saber que vai haver um segundo
turno e que o Aécio lá chegou. Minha angústia diminui de um lado, mas aumentou
do outro.
********
Cabe finalizar que, com essas eleições,
iremos controlar os personalismos lulistas de índole malandra e neofascista.
Todos os resultados pedem mais honestidade e seriedade com o governo da coisa
pública. Tenho a esperança de liquidar com esses donos espúrios de um Brasil
que é de todos nós. Esse é o pleito que nocauteou a onipotência e, com ela, a
demagogia, a roubalheira, o aparelhamento do estado pelo governo, a corrupção
deslavada, os dois pesos duas medidas no plano jurídico e econômico e, por
último, mas não por fim, a autoridade absoluta de um partido cujo objetivo era
muito mais o de trabalhar para um projeto de poder do que para o poder do
Brasil.
*********
(*) Roberto Damatta
É um antropólogo, conferencista, consultor, colunista de jornal e
produtor brasileiro de TV. Graduado e licenciado em História pela Universidade
Federal Fluminense (1959 e 1962), Roberto possui curso de especialização em antropologia
social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1960) bem
como mestrado (Master in Arts) e doutorado (PhD) em 1969 e 1971 respectivamente
pela Universidade Harvard.
Foi chefe do departamento de Antropologia do Museu Nacional e o
coordenador do seu programa de pós-graduação em Antropologia Social (de 1972 a
1976). É professor emérito da Universidade norte-americana de Notre Dame, onde
ocupou a cátedra Rev. Edmund Joyce, c.s.c., de Antropologia de 1987 a 2013.
Atualmente, é professor titular da PUC-RJ.
Em 2001, recebeu a Ordem do Mérito do Rio Branco no grau de
Comendador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário