UMA FACA, UMA LEMBRANÇA...
De Joãozinho
Queiroz
É interessante o como um
objeto qualquer pode nos remeter a memórias e a pessoas que até já se foram
para outros planos espirituais! É assim mesmo, tal como boas ações e ajudas
recebidas e não necessariamente uma joia de alto valor financeiro.
Eu, particularmente, tenho
alguns objetos e utensílios que me remetem àqueles que me presentearam.
Por exemplo, entre alguns
outros, uma lixeirinha confeccionada em arame grosso, apropriada para a reutilização
de sacos de supermercado. É só pisar em uma alça de sustentação abaixo e a
parte superior do saco se abre como a boca de um sapo. Soltando, fecha-se
imediatamente.
A
lixeirinha
Foi-me presenteada pela
tia Dilza, casada com o Tio Menote, que mora em Belo Horizonte. É de grande
utilidade e me faz lembrar da pessoa que me presenteou. E como a utilizo várias
vezes num mesmo dia e diariamente, sempre me remete à lembrança da pessoa.
Outro utensílio muito útil
é um caldeirão de alumínio de capacidade de dezoito litros, que me foi
presenteado nos idos de 1992 por uma amiga e vizinha nessa época, a Rosilda,
ex-procuradora do INCRA, órgão em que eu também trabalhava e no qual me
aposentei.
O
caldeirão
Esse, além de presente tem
uma “estória” interessante. Tínhamos chegado a Belo Horizonte em retorno da
cidade de Unaí, onde fomos fazer uma vistoria final do Projeto de Colonização
Sagarana, com vistas à sua emancipação. Eu era o Presidente da comissão de
emancipação. Nessa oportunidade nos acompanhava também outro procurador do
INCRA, o advogado Froni. Em Belo Horizonte ficamos hospedados na casa da minha
mãe, D. Ida, e aproveitamos parte de um dia em que trabalhávamos na Superintendência
Regional do INCRA em Minas Gerais para visitarmos o famoso e tradicional
Mercado Municipal, onde se pode encontrar uma grande variedade de produtos
entre hortigranjeiros, ferragens, alumínio, flores, pássaros criados em
cativeiro e muitas coisas mais. Nessa visita, a Rosilda sabendo das minhas
habilidades culinárias e do preparo de doces de frutas, me presenteou com o tal
caldeirão.
O cômico foi trazê-lo para
Brasília. A nossa volta seria de avião e eu deveria permanecer em Belo
Horizonte por mais uns quatro dias. Aí a Rosilda decidiu que o Dr. Froni deveria
trazer o presente para mim. Acontece que, devido ao tamanho do presente ele não
cabia nem no bagageiro superior e nem à frente da poltrona do passageiro num
737 antigo da VASP. Assim, o Dr. Froni teve que trazê-lo no colo, conforme a
determinação da Rosilda que assim o exigiu. E assim ele o trouxe. Já há vários
anos ela habita algum plano espiritual, mas sempre que utilizo o caldeirão me
vem a sua lembrança amiga e faço uma prece por ela.
Mas o objeto que me levou
a iniciar esta “estória” foi uma faca. Essa me foi presenteada, entre outras
coisas, pelo conterrâneo e amigo João Queiroz Filho, o Joãozinho Queiroz como o
chamávamos.
O
presente
As lembranças dele são
muitas e todas muito alegres e interessantes. Mas a faca me remete aos anos de
1956/58, pelo menos.
Nessa época eu estava
estudando no Curso Científico em Ubá e no último servindo o exército em Juiz de
Fora, mas sempre presente em Guidoval, tempo em que festas e bailes eram
frequentes e eu participava do conjunto musical juntamente com o Seu Odilon
Reis, tocando violão, violino e trombone de pisto ou de vara; o Seu Nilo
barbeiro, tocando banjo, cavaquinho, violão ou violino; o Julinho da
estatística tocando trumpete (pistom), o Neto na bateria e eu no acordeom.
O serviço de bar nesses
bailes era prestado pelo Joãozinho Queiroz, que durante a semana trabalhava no
bar do Seu Chico Caputo, num prédio hoje lamentavelmente demolido na esquina da
Rua do Fundão (sete de setembro) com a Rua do Stoque (João Januzzi).
Muitos desses bailes eram
realizados na parte superior do prédio do então Armazém do Zé Estulano na Rua
do Stoque.
No intervalo entre as
músicas que eu tocava com o Conjunto eu era também o garçom que servia as mesas
com os petiscos e bebidas solicitados pelos presentes. No bar do salão não
havia máquina de fatiar frios (presunto, mortadela, salame e mozzarella) o que
era feito com uma faca fina apropriada, como a da foto acima, e habilidade
manual. Tanto o Joãozinho como eu realizávamos essa tarefa. Nunca me esqueci
desses eventos. Ainda hoje tenho essa faca e a utilizo muito especialmente para
cortar couve bem fina e fatiar outros legumes e frios.
Na
foto: Bebeto Ramos, Joãozinho Queiroz, Mariozinho e Desidério
A partir de 1959 fui mui
morar em Belo Horizonte, onde eu, o meu irmão Aulo e o conterrâneo e amigo
Ronon Rodrigues nos preparávamos para os exames vestibulares. Moramos em várias
pensões de estudantes. Nessa época o Joãozinho tinha uma barraca no Mercado
Municipal bem na entrada da Rua Curitiba. O mercado ainda não era coberto. Essa
barraca era nada mais que um armário grande e profundo, de madeira. O produto
principal vendido era fumo de rolo de diversos tipos e origens, além de palha e
papéis apropriados para a confecção de cigarros artesanais, operação essa
realizada pelos próprios usuários.
Nessa época éramos apenas
estudantes e vivíamos às expensas do nosso pai, o Dr. Mario Geraldo de
Meireles, médico em Guidoval. Este havia autorizado ao Joãozinho que nos
entregasse semanalmente uma certa quantia de dinheiro para passarmos a semana
e, na última do mês, também o valor da mensalidade da pensão do cursinho.
Gastos extraordinários tinham que ser previamente autorizados. Os acertos de
contas eram feitos pessoalmente quando nosso pai vinha à Capital ou então
através de caminhoneiros que traziam produtos agrícolas de Guidoval para a
Capital, mais frequentemente conterrâneo Paulo Ramos.
Muitas das vezes que íamos
a Guidoval retornávamos à Capital na carroceria do caminhão do Paulo, junto das
mercadorias trazidas. Poderia parecer muito sacrifício essa viagem. Mas, quando
se tinha dezenove ou vinte anos, naquela época, tudo era aventura e plenamente suportável
e ainda não havia proibição de transportar pessoas na carroceria de caminhão.
Ficávamos felizes com a carona e sobrava mais dinheiro para o almoço, às vezes
num restaurante de Juiz de Fora, como no Faisão Dourado, onde comíamos lombo no
feijão manteiga com arroz e fritas.
Uma carona para um caso do
Paulo Ramos: certa vez alguém de Guidoval pedira para ele trazer-lhe uma
garrafa de “água fluida” benzida em “passe” pelo Seu Tito farmacêutico (Mário
Reis). Colocada atrás da poltrona do motorista, a garrafa tombou e derramou a
maior parte do líquido. O Paulo constrangido, não teve dúvida, completou o
conteúdo com água de torneira até o gargalo e arrolhou bem. Ficou apertado com
o evento, mas não sabia das coisas da espiritualidade. Acontece que o resíduo da
garrafa contaminou a nova água e o efeito se realizou para a pessoa que a
aguardava.
Tempos depois o Joãozinho
teve um armazém de atacado de cereais num prédio em frente ao Mercado, também
na Rua Curitiba.
Muitas vezes ele nos
convidava e ao Flávio Damato para almoçar em sua casa. E ao convidar ele fazia
uma pilhéria conosco dizendo: “mas antes de ir comam pelo menos uns dois
sanduiches”.
Depois da minha formatura
em dezembro de 1965, em janeiro do ano seguinte fui trabalhar como
administrador de uma fazenda em Corinto – MG. Nesse ano, no mês de março, os
proprietários me deram uma Rural Willys para transporte e andanças na fazenda.
Nesse mesmo mês ali comecei
a namorar uma linda garota dezenove aninhos com a qual me casei em janeiro do
ano de 1968. Bem próximo do casamento, já no final de 1967, tive que vender a
Rural para cobrir despesas decorrentes e foi o Joãozinho que a comprou por bom
preço me ajudando nesse caso.
Ele com sua esposa
Santinha foram meus padrinhos de casamento. Mantivemos o contato por muito
tempo e me lembro que a última visita que lhe fizemos foi ainda em companhia do
meu tio Mariozinho, seu amigo desde juventude e compadres. Acho que já contava
com mais de 75 anos.
Também tenho lembranças da
família do Joãozinho especialmente do se pai o Seu João Queiroz, exímio
violonista que mereceu uma composição do Seu Nilo (Petronilo Alves), o Chorinho
“Queiroz no Pinho”, que até hoje eu toco no acordeom e no teclado. Digo ainda
toco, mas isto merece um esclarecimento. Passei cerca de vinte e seis anos sem
acordeom, há pouco mais de dois meses voltei a tocar em um que me foi
emprestado por um amigo e há vinte dias comprei um Paolo Soprani. Quanto à
habilidade no teclado a estou recuperando melhor do que imaginava. Mas não
tenho notícia que além de mim alguém saiba desse chorinho. Talvez nem mesmo
seus filhos o saibam. Os que dele sabiam, acho que todos já se foram.
Também me lembro de seus
irmãos e irmãs, o Maninho, o Totone, o José Lincoln, a Naná (Marina) que freira
e muito amiga da tia Gildinha, a Dorinha que foi minha colega no curso primário
na sala da D. Carmem Cattete e a Terezinha que se casou com o Dr. Edgar de
Andrade. Do Dr. Edgar também tenho muitas lembranças e “estórias” que mereceriam
um outro texto. Agora apenas duas.
A primeira, quando eu
tinha provavelmente onze anos o seu pai, Seu Sebastião Vieira, me contratou
para transcrever certidões de nascimento, casamento e de registros outros, das
folhas de papel para os respectivos livros. Eu era pequeno, os livros muito
grandes e a caneta ainda era daquelas que se molhava a pena em tinteiros. Certa
vez, transcrevendo certidões em um dos livros aconteceu o inusitado...
distraidamente esbarrei no tinteiro e borrei todo um daqueles livros grandes,
com todas as suas páginas rubricadas previamente pelo Juiz de Direito da
Comarca. Não sei o que possa ter passado pela cabeça do Seu Sebastião naquele
momento. Acho que não levei uma tremenda bronca ou até uns tapas, porque era
filho do Dr. Mario, muito seu amigo. Esse livro estava preenchido até quase a
metade. Soube muito tempo depois que o Tabelião adquirira outro livro e que foi
o Dr. Edgar, acho que ainda estudante de Direito, que transcrevera tudo para o
novo livro.
A segunda, eu já era
estudante universitário. Numa tarde em que retornava de Ubá, e Juiz de Fora para Belo Horizonte num ônibus da UTIL, (provavelmente
1962/63?), estavam assentados nos bancos à minha frente o Dr. Edgar conversando
com a Maria Leonor Viana. Não prestava atenção na conversa dos dois. Mas num
dado momento, talvez devido à ênfase empregada, ouvi o Dr. Edgar dizer para ela:
“o meu casamento é um prolongamento da lua de mel”. Nunca me esqueci dessa
expressão, que achei linda e verdadeira, porque até hoje, próximo dos cinquenta
anos de casado, posso repetir o mesmo.
Da minha parte não
gostaria de voltar ou de viver como no passado. Mas acho muito interessante ter
estado bem lá atrás e ainda estar aqui, próximo dos oitenta anos.
Como já disse o escritor
Mario de Andrade: ”o passado foi feito para se recordar, mas não para se
reviver. Muito embora também se repita muito que “recordar é viver”.
Mas, qualquer
interpretação ficará a critério do interessado. Contudo, gosto de recordar
coisas e “estórias” da minha terra Guidoval.
Brasília, 05 de julho de
2016
Plinio Augusto de Meireles
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