segunda-feira, 3 de novembro de 2014

MENSAGEM A GARCIA



MENSAGEM A GARCIA

Esta  insignificância  literária,  "UMA MENSAGEM A GARCIA", escrevi-a uma noite,  depois  do  jantar,  em uma hora.  Foi a 22 de fevereiro de 1899, aniversário  natalício  de Washington (Nota do redator: e de Baden-Powell  ...),  e o número de março da nossa revista "Philistine" estava prestes a entrar  no prelo.  Encontrava-me com disposição para escrever, e o artigo brotou  espontâneo  do  meu coração, redigido, como foi, depois de um dia afanoso, durante o qual fui tinha procurado convencer alguns moradores um tanto  renitentes  do lugar, que deviam sair de um estado comatoso em que se compraziam, esforçando-me por incutir-lhes radioatividade.
 A  idéia  original, entretanto, veio-me de um pequeno argumento ventilado pelo  meu filho Bert, ao tomarmos café, quando ele procurou sustentar ter sido  Rowan o verdadeiro herói da Guerra de Cuba.  Rowan pôs-se a caminho só  e  deu  conta  do  recado - levou a mensagem a Garcia. 
Qual centelha luminosa,  a idéia assenhorou-se de minha mente.  É verdade, disse comigo mesmo,  o rapaz tem toda razão, o herói é aquele que dá conta do recado - que leva a mensagem a Garcia.
            Levantei-me  da  mesa e escrevi "Uma mensagem a Garcia" de uma assentada. Entretanto,  liguei  tão  pouca  importância  a este artigo, que até foi publicado  na  Revista  sem  qualquer  título. Pouco depois da edição ter saído  do  prelo,  começaram  a chegar pedidos para exemplares avulsos do número  de  março do "Philistine":  uma dúzia, cinqüenta, cem, e quando a American  News Company encomendou mais mil exemplares, perguntei a um dos meus empregados qual o artigo que havia levantado o pó cósmico.
 -  "Esse de Garcia"  -  retrucou ele.
No  dia  seguinte chegou um telegrama de George H. Daniels, da Estrada de Ferro  Central  de  Nova  York,  dizendo:   "Indique  preço  para cem mil exemplares  artigo  Rowan,  sob forma folheto, com anúncios da estrada de ferro no verso.  Diga também quando pode fazer a entrega".
Respondi  indicando  o  preço,  e  acrescentando  que  podia  entregar os folhetos  dali  a  dois anos.  Dispúnhamos de facilidades restritas e cem mil folhetos afiguravam-se um empreendimento de monta.   O  resultado  foi  que  autorizei  o  Sr.  Daniels  a reproduzir o artigo conforme lhe   aprouvesse.    Fê-lo  então  em  forma  de  folhetos, e distribuiu-os em tal profusão que, duas ou três edições de meio milhão se esgotaram  rapidamente.   Além disso, foi o artigo reproduzido em mais de duzentas  revistas  e  jornais.   Tem sido traduzido, por assim dizer, em todas as línguas faladas.
Aconteceu   que,  justamente  quando  o  Sr.  Daniels  estava  fazendo a distribuição  da mensagem  a  Garcia,  o  príncipe Hilakoff, Diretor das Estradas  de  Ferro  Russas,  se  encontrava neste país.  Era hóspede da Estrada   de  Ferro  Central  de  Nova  York,  percorrendo  todo  o país acompanhando  o Sr. Daniels.  O Príncipe viu o folheto, que o interessou, mais  pelo fato de ser o próprio Sr. Daniels que o estava distribuindo em tão grande quantidade, que propriamente por qualquer outro motivo.
Como  quer  que  seja,  quando  o  príncipe  retornou à sua Pátria mandou traduzir  o  folheto para o russo e entregar um exemplar a cada empregado da  estrada  de  ferro  na Rússia.  O breve trecho foi imitado por outros países;  da  Rússia  o  artigo  passou  para a Alemanha, França, Turquia, Hindustão  e  China.   Durante  a  guerra  entre  a Rússia e o Japão, foi entregue  um  exemplar  da  "Mensagem  a  Garcia"  a  cada soldado que se destinava ao front.
Os japoneses, ao encontrar os livrinhos em poder dos prisioneiros russos, chegaram  à  conclusão  de  que havia de ser coisa boa, e não tardaram em vertê-lo para o japonês.  Por ordem do Mikado foi distribuído um exemplar a cada empregado, civil ou militar do Governo Japonês.
            Para  cima  de  quarenta milhões de exemplares de "Uma mensagem a Garcia"  têm sido impressos, o que é sem dúvida a maior circulação jamais atingida por  qualquer  trabalho  literário  durante a vida do autor, graças a uma série de circunstâncias felizes.

East Aurora, em 1o de dezembro de 1913


Vamos então ao texto de "Uma Mensagem a Garcia"

Em  todo  este  caso  cubano,  um  homem se destaca no horizonte de minha memória  como  o Planeta Marte no seu periélio.  Quando irrompeu a guerra entre  a  Espanha  e  os Estados Unidos, o que importava era comunicar-se rapidamente com o chefe dos insurretos, Garcia, que se sabia encontrar-se em alguma fortaleza no interior do sertão cubano, mas sem que se soubesse precisar  exatamente  onde.   Era  impossível  comunicar-se  com  ele por correio  ou  por telégrafo.  No entanto, o Presidente tinha que tratar de assegurar-se da sua colaboração, e isto o quanto antes.  Que fazer?
Alguém  lembrou  ao  Presidente:  "Há um homem chamado Rowan; e se alguma pessoa é capaz de encontrar Garcia, há de ser Rowan".
Rowan foi trazido à presença do Presidente, que lhe confiou uma carta com a incumbência de entregá-la a Garcia.  De como este homem, Rowan, tomou a carta, meteu-a num invólucro impermeável, amarrou-a sobre o peito, e após quatro dias, saltou de um  barco sem cobertura, alta noite, nas costas de Cuba; de como se embrenhou no sertão, para depois de três semanas, surgir do  outro  lado  da  ilha,  tendo atravessado a pé um território hostil e entregando  a carta a Garcia - são coisas que não vêm ao caso narrar aqui pormenorizadamente.   O ponto que desejo frisar é este:  Mac Kinley deu
a Rowan  uma  carta  para ser entregue a Garcia; Rowan pegou da carta e nem sequer perguntou:  "Onde é que ele está?"
Hosannahh!   Eis  aqui  um homem cujo busto merecia ser fundido em bronze imarcescível  e  sua estátua  colocada em cada escola do país.  Não é de sabedoria  livresca  que a juventude precisa, nem de instrução sobre isto ou  aquilo.   Precisa, sim, de um endurecimento das vértebras, para poder mostrar-se  altivo  no  exercício de um cargo; para atuar com diligência, para dar conta do recado; para, em suma, levar uma mensagem a Garcia.
O  general  Garcia já não é deste mundo, mas há outros Garcias.  A nenhum homem que se tenha empenhado em levar adiante uma empresa, em que a ajuda de  muitos   se  torne  precisa, têm sido poupados momentos de verdadeiro desespero  ante  a  imbecilidade  de  grande  número  de  homens,  ante a inabilidade  ou  falta  de  disposição  de  se  concentrar  a  mente numa determinada coisa e fazê-la.
Assistência  irregular, desatenção tola, indiferença irritante e trabalho mal   feito   parecem   ser   a  regra  geral.   Nenhum  homem  pode ser verdadeiramente  bem  sucedido,  salvo se lançar mão de todos os meios ao seu alcance, quer da força, quer do suborno, para obrigar outros homens a ajudá-lo,  a  não  ser  que  Deus Onipotente, na sua grande misericórdia, faça um milagre enviando-lhe como auxiliar uma anjo de luz.
Leitor  amigo,  tu  mesmo  podes  tirar  a  prova.   Estás sentado no teu escritório,  rodeado  de meia  dúzia  de empregados.  Pois bem, chama um deles e pede-lhe:  "Queira ter a bondade de consultar a enciclopédia e de me trazer uma descrição sucinta da vida de Corrégio".
Dar-se-á  o caso do empregado dizer calmamente:  "Sim, senhor" e executar o que se lhe pediu?
Nada  disso!  Olhar-te-á perplexo e de soslaio para dizer uma ou mais das seguintes   perguntas:  Quem  é  ele?  Que  enciclopédia?   Onde  está a enciclopédia? Fui eu por acaso contratado para fazer isso? Não quer dizer Bismark? E se Carlos o fizesse? Já morreu? Precisa com urgência? Não será melhor  se eu trouxer o livro para o senhor mesmo procurar? Para que quer saber isso?
E  aposto  dez  contra  um  que,  depois  de  haveres  respondido  a tais perguntas,  e  explicado a maneira de procurar os dados pedidos e a razão por  que  deles  precisas, teu empregado irá pedir a um companheiro que o ajude  a encontrar Garcia, e, depois, voltará para te dizer que tal homem não existe.  Evidentemente, pode ser que eu perca a aposta; mas, segundo a lei das médias, jogo na certa.  Ora, se fores prudente, não te darás ao trabalho  de explicar ao teu ajudante que "Corrégio" se escreve com "C" e não  com  "K",  mas  limitar-te-ás a dizer meigamente, esboçando o melhor sorriso:   "Não faz mal; não te incomode", e, dito isto, levantar-te-ás e procurarás  tu  mesmo.   E  esta incapacidade de atuar independentemente, esta  inépcia  moral,  esta  invalidez  da  vontade, esta  atrofia da de disposição  de  solicitamente  se por em campo e agir - são as coisas que recuam  para  um  futuro  tão remoto o advento do socialismo puro.  Se os homens  não tomam a iniciativa de agir em seu próprio proveito, que farão  quando  o  resultado  do seu esforço redundar em benefício de todos?
Por enquanto  ainda  parece  que  os  homens  precisam ser feitorados.  O que mantém  muito empregado no posto e o faz trabalhar é o medo de que se não o  fizer, ser despedido  no  final  do  mês.   Anuncia  precisar  de um taquígrafo, e nove entre dez candidatos à vaga não saberão ortografar nem pontuar ? e o que é mais, pensam que não é necessário sabê-lo.
Poderá uma pessoa destas escrever uma mensagem a Garcia?
"Vê aquele guarda-livros", dizia-me o chefe de uma grande fábrica.
"Sim, que tem?".
"É  um  excelente  guarda-livros.   Contudo,  se  eu  a mandasse fazer um recado,  talvez  se   desobrigasse a contento, mas também podia muito bem ser  que  no  caminho  entrasse  em duas ou três casas de bebidas, e que, quando  chegasse  ao seu destino, já não se recordasse da incumbência que lhe fora dada".
Será  possível  confiar-se  a  um  tal  homem uma carta para entregá-la a Garcia?
Ultimamente   temos  ouvido  muitas  expressões  sentimentais externando simpatia  para com os pobres entes que mourejam de sol a sol, para com os infelizes  desempregados  à  cata  de trabalho honesto e tudo isso, quase sempre,  entremeado de muita palavra dura para com os homens que estão no poder.   Nada  se  diz do patrão que envelhece antes do tempo, num baldado esforço para   induzir   eternos   desgostosos   e   descontentes   a trabalhar conscienciosamente;  nada  se  diz  de sua  longa  e paciente procura de pessoal,  que,  no  entanto,  muitas vezes nada mais faz do que "matar"
o tempo,  logo  que  ele  volta  as  costas.  Não há empresa que não esteja despedindo pessoal que se mostre incapaz de zelar pelos seus interesses, a  fim  de  substituí-lo por outro mais apto.  E esse processo de seleção, por eliminação, está se operando incessantemente, em tempos adversos, com a  única diferença que, quando os tempos são maus e o trabalho escasseia, a  seleção se faz mais escrupulosamente, pondo-se para fora, para sempre, nos  incompetentes e os inaproveitáveis.  É a lei da sobrevivência do mais apto.
Cada patrão, no seu próprio interesse, trata somente de guardar
os melhores? Aqueles que podem levar uma mensagem a Garcia.
Conheço  um  homem  de aptidões realmente brilhantes, mas sem a fibra que precisa   para   gerir   um  negócio  próprio  e  que  ademais  se torna completamente inútil para qualquer outra pessoa, devido à suspeita insana de  que  constantemente  abriga  de  que seu patrão o esteja oprimindo ou tencione oprimi-lo.  Sem poder mandar, não tolera que alguém o mande.
Se lhe  fosse  confiada  uma  mensagem  a  Garcia  retrucaria provavelmente:
  "Leve-a você mesmo".
Hoje  este  homem  perambula  errante pelas ruas em busca de trabalho, em  quase  petição de miséria.  No entanto, ninguém que o conheça se aventura a  dar-lhe  trabalho  porque  é a personificação do descontentamento e do espírito  de  réplica.   Refratário a qualquer conselho ou admoestação, a única coisa capaz de nele produzir algum efeito seria um pontapé dado com a ponta de uma bota de número 42, sola grossa e bico largo.   Sei,  não  resta  dúvida, que um indivíduo moralmente aleijado como este, não  é menos digno de compaixão que um fisicamente aleijado. Entretanto, nesta demonstração de compaixão, vertamos também uma lágrima pelos homens que  se  esforçam  para levar avante uma grande empresa, cujas horas de trabalho  não  estão  limitadas  pelo som do apito e cujos cabelos ficam prematuramente  encanecidos  na  incessante  luta em que estão empenhados contra  a  indiferença  desdenhosa,  contra  a  imbecilidade crassa  e a ingratidão   atroz,   justamente   daqueles   que,  sem  o  seu espírito empreendedor andariam famintos e sem lar.
Dar-se-á  o  caso  de  eu  ter  pintado  a  situação  em  cores demasiado carregadas?   Pode ser que  sim;  mas,  quando  todo  mundo se apraz em divagações  quero  lançar  uma  palavra  de simpatia ao homem que imprime êxito  a  um  empreendimento, ao  homem que, a despeito de uma porção de empecilhos,  sabe dirigir e coordenar os esforços de outros e que, após o triunfo,   talvez   verifique   que   nada  ganhou;  nada, salvo  a sua subsistência.
Também  eu  carreguei  marmitas e trabalhei como jardineiro, como, também tenho sido patrão.  Sei portanto, que alguma coisa se pode dizer de ambos os lados.
Não  há  excelência  na  pobreza  de  per  si;  farrapos  não  servem de recomendação.   Nem  todos os patrões são gananciosos e tiranos, da mesma forma que nem todos os pobres são virtuosos.
Todas as minhas simpatias pertencem ao homem que trabalha conscienciosamente, quer  o  patrão esteja, quer não.  E o homem que, ao lhe ser confiada uma carta  para  Garcia,  tranqüilamente  toma a missiva, sem fazer perguntas idiotas,  e  sem  a  intenção  oculta  de jogá-la na primeira sarjeta que encontrar,  ou  praticar  qualquer outro feito que não seja entregá-la ao destinatário,  esse  homem  que  nunca  fica  "encostado"  nem tem que se declarar em greve para forçar um aumento de ordenado.
A  civilização  busca  ansiosa, insistentemente, homens nessas condições. Tudo  que  um tal homem pedir, ser-lhe-á de conceder.  Precisa-se dele em cada  cidade, em cada vila, em cada lugarejo, em cada escritório, em cada oficina,  em  cada  loja,  fábrica  ou  venda.   O grito do mundo inteiro precisamente  se  resume nisso:  Precisa-se, e precisa-se com urgência de um homem capaz de levar uma mensagem a Garcia.

Helbert Hubbard

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