quinta-feira, 17 de maio de 2012

Quem quer consegue - (Veja - 16/05/2012)


por Helena Borges 

A história de um grupo de municípios brasileiros, revelado em um novo ranking, mostra que é preciso aliar medidas simples à disciplina para distanciar-se da mediocridade
 
A última grande radiografia do ensino público brasileiro reforça o abismo que nos separa dos melhores do mundo na sala de aula. Enquanto nos países mais desenvolvidos 57% dos estudantes do ensino fundamental detêm o conhecimento esperado para sua série, ou vão muito além disso, no Brasil é ainda maior do que essa fatia a dos que não sabem o mais básico - 77%. Diante de tamanha desvantagem, é bem-vindo o exemplo de um pequeno e pouco conhecido conjunto de municípios que emerge do lamaçal de notas vermelhas em meio à mesma coleção de dados, extraídos da Prova Brasil, do Ministério da Educação (MEC). Ainda que com uma longa estrada a percorrer até alcançar os mais ricos, são esses que, no Brasil, concentram a maior porção de alunos situados em nível ao menos "adequado" para o ano que estão cursando. O novo levantamento, conduzido pela ONG Todos pela Educação, surpreende à primeira vista. Afinal, os dez municípios no topo do ranking (veja o quadro acima) têm erguido as bases para a boa educação em condições muito semelhantes às dos demais, ou até piores que as deles. Seu sucesso ajuda a decifrar os caminhos que conduzem à excelência.

Um fato chama atenção no rol dos dez melhores municípios da lista: sete são mineiros, incluindo os cinco que lideram o ranking. O resultado enfatiza o que outras avaliações do MEC vêm sinalizando nos últimos anos. Analisa o economista Claudio de Moura Castro, especialista em educação e articulista de VEJA: "Essas cidades não estão fazendo nada de mirabolante, mas sim levando a cabo um conjunto de iniciativas coerentes que têm tido continuidade, algo raro no país". Elas foram postas de pé na década de 90 e agora começam a se refletir nos números. Minas Gerais foi o primeiro estado a formular uma prova única para mapear as deficiências dos alunos e lançar luz sobre os bons casos, saindo na dianteira na criação de metas para a sala de aula. As escolas passaram então a ser cobradas e até premiadas por seu cumprimento, tal como no mundo corporativo, com um bônus salarial para os profissionais que elevam o nível do ensino. O sistema é hoje adotado em cerca de 20% das 180 000 escolas públicas brasileiras.

O campeão da lista da Todos pela Educação é São Tiago, município de 10 000 habitantes a duas horas de carro de Belo Horizonte. Ali, vive-se basicamente do plantio de café e da fabricação de biscoitos. Na escola estadual Afonso Pena Júnior, que atende 1 100 alunos, os professores chegam a dar aulas extras (sem ganhar nada a mais por isso) em prol da média nos exames oficiais. Por estes, sim, podem ser recompensados. Um grupo de estudantes do colégio venceu um campeonato nacional de robótica e, não cabendo em si, está prestes a embarcar para o México para defender o Brasil no circuito mundial. Na aula de química, eles desenvolveram um projeto de extração de álcool da laranja por meio de fermentação, experiência que interessou à Universidade de São Paulo (USP). Tanto que uma turma de São Tiago, muitos dos alunos vindos de famílias pobres que jamais haviam deixado o estado, foi convidada para falar sobre o trabalho em São Paulo. "O objetivo aqui é ir muito além dos muros da escola", diz a diretora Maria Auxiliadora Silva, 47 anos, há dez no cargo.

O que afinal une os colégios dos municípios em destaque é a junção de medidas já testadas em outros países com um lado pragmático que se sobrepõe ao corporativismo ainda em voga no ambiente escolar. Dados da Prova Brasil mostram que, até hoje, são minoria os diretores de escola que chegam ao cargo por um sistema que alie quesitos técnicos a uma eleição, e não por critérios políticos: eles representam apenas 13% do total - em Minas, são 60%.

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