Rua Conde de Conceição/João Januzzi
(Rua dos Tocos ou Rua do Estoque?)
Esta história
começa no século passado, no segundo milênio. Hoje completa 58 anos. Volto ao
dia 06 de junho de 1962. Eu ainda não completara 10 anos. Faltavam 23 dias.
Jogava Brasil x Espanha na Copa
Mundial realizada no Chile. O Prefeito Eduardo Occhi fazia uma brilhante administração
do município. Colocava-se calçamento, o primeiro da cidade, na Rua Conde de Conceição. Os mais antigos
tratavam-na pela alcunha “rua dos Tocos”
outros de “rua do Estoque”.
A rua
encontrava-se interrompida pelas obras. No meio do logradouro abriu-se um
corredor para abrigar as manilhas que receberia o esgoto das residências. Eu e
o meu primo Manoel Vieira Abritta, que Deus o tenha, brincávamos nesta valeta aberta
no meio da rua. Canos d’água cruzavam esta vala. Faziam parte da canalização de
água potável na cidade que o Prefeito Otaciano da Costa Barros executou durante
o seu mandato, quando distribuiu o precioso líquido por toda a cidade. Estes
canos entrecruzavam-se o corredor aberto no centro da rua e nestas barras de
ferro fazíamos acrobacias, piruetas, como se fôssemos trapezistas. Não passava
de uma grosseira imitação aos artistas que assistíamos no Circo do Bicanca que se encontrava armado no Largo (Praça Santo Antônio).
E na Rua Conde
de Conceição, uma das principais artérias de Guidoval, tinham vários casarões,
a maioria agora demolida. Dizem que é o progresso. Tenho as minhas dúvidas.
Um desses casarões,
que ainda resistem ao tal progresso, pertence à Dona Zita, esposa do saudoso
José Damato. No primeiro andar, o térreo; têm três grandes portas de enrolar.
A primeira porta, à esquerda do prédio,
abrigava a Coletoria Federal. Nela trabalhava o Sô Antônio José Barbosa Neto, mascate, comerciante, taxista, exator, escritor,
ex-vereador e pródigo progenitor. Junto com a esposa Dona Geni Reis constituiu uma família admirável, tendo como
primogênito o Márcio, seguido por Túlio, Rilma, o poeta Zé Francisco, Hélio,
Carolina e o caçula Antônio.
A porta do meio servia de garagem e
oficina ao Jeep Land Rover, verde
oliva, ano 1951, capota, lataria e motor de alumínio. Era desmontado e
remontado, costumeiramente, pelos filhos Flávio e José Sérgio e, anos depois,
pelos meninos Antônio e Ricardo. Além destes rapazes Dona Zita e José Damato
tiveram as moças: Maria Rosa, Vilma, Ilka, Noêmia e Helena. José Damato era
maçom, representante comercial e vereador. O seu pai, Juca Damato, fora
delegado por um bom tempo na cidade.
Na terceira porta, à direita do sobrado, funcionava
o consultório do dentista Dr. Jair
Venâncio. Na antessala, além do mobiliário normal, na parede exibia-se um
grande quadro da seleção brasileira, retratando os campeões do mundo em 1958,
vestindo uma improvisada camisa azul. A escalação da seleção, todo apaixonado
por futebol sabe de cor, mas vale a pena repetir: Gilmar, Djalma Santos,
Bellini, Orlando e Nílton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Pelé e Zagalo.
Nesta tarde, o
Dr. Jair trabalhava no seu gabinete, mas deixara o rádio ligado num volume bem alto,
para possibilitar às pessoas agrupadas à porta, acompanhar a partida que se
desenrolava no Estádio Sausalito na cidade de Viña del Mar.
Com uma família
grande a sustentar, Dr. Jair, não podia dar-se ao luxo de paralisar as suas
atividades por causa de uma partida de futebol, logo ele, um botafoguense
apaixonado e ex-jogador do Cruzeiro de Guidoval.
A esposa, Dona Conceição Sobral, lhe deu oito
filhos. Nesta ocasião, já tinham nascido o Jorge (primogênito), Nilton Santos (nome
em homenagem à “enciclopédia”),
Francisco Otávio (Tavinho), Ângelo (Lopeta) e Maria da Conceição (Titita). E ainda
nasceriam o Júlio, Deuziane e Ivanise, além de adotarem a Isabela.
O jogo começara
às 14 horas. E mais adiante, na mesma rua, outro aglomerado de pessoas ouviam a
narração do match na Barbearia do Elzo
de Barros, outro botafoguense, amigo
e companheiro do Dr. Jair em caçadas e pescarias. A barbearia localizava-se onde
hoje é a Loja do Sôca. E antes fora comércio
e residência do Antônio Martins Nogueira, o Toninho do Açougue.
A partida
desenrolava-se equilibrada, jogo duro. A seleção brasileira sem o Rei Pelé, contundido na partida
anterior contra a Thecoslováquia. O mineiro de Três Corações já era considerado
REI do futebol. A Espanha desfalcada de Di Stéfano, um grande craque argentino
naturalizado, também com problemas físicos.
Por volta das quatorze
horas e trinta e cinco minutos um vozear de espanto, depois um silêncio ensurdecedor
tomou conta dos dois grupos atentos à transmissão esportiva. O atacante
Adelardo Rodrígues fizera um gol para Espanha, abrindo o placar. Este resultado
poderia eliminar o Brasil. O primo Manoel e eu interrompemos, por instantes, a
nossa peraltice para saber o que estava acontecendo, mas imediatamente voltamos
a brincar na valeta. A partida
continuou.
Ao começar estas
recordações, a minha intenção era apenas lembrar o jogo do Brasil e Espanha, o
povo ouvindo a partida através dos rádios do barbeiro Elzo de Barros e do Dr. Jair
Dentista. Eu e o meu e do primo Manoel se divertindo no meio da rua que estava recebendo calçamento na gestão do
Prefeito Eduardo Occhi. Mas as histórias têm disso, evoluem dentro da cabeça da
gente, saem do controle e nos levam por caminhos inimagináveis. Os casarões e
saudosos moradores pediram para participar desta narrativa. Gente que povoou a
minha infância e habita a minha memória. Não poderei deixar sem voz estes
conterrâneos.
Voltando a falar dos casarões. O sobrado à
esquerda da moradia do José Damato, pertencia ao Sô Tatão de Freitas, marido de
Dona Ernestina, telefonista do Posto de Serviço da cidade (PS1). Fazia conexão entre Guidoval e o mundo. O link com a
população eram os recadeiros Kael e Manoel da Sá Joaquina que iam avisar às pessoas
que tinha uma ligação telefônica para elas. Depois, neste local, passou a morar
a família do Sô Djalma (Adjalme Pacheco), agricultor, violeiro, cantador, festeiro
e de bem com a vida.
Caminhando
rumo à ESQUINA, a seguir tinha o Sobrado do Chico Caputo. Na parte de
cima residiam ele, a esposa Dona Das Dores e a Gildinha, zelosa companhia da
família. Na parte de baixo, o Bar da Esquina
de muitas histórias. Além do Chico Caputo, o estabelecimento teve vários
proprietários. Cito alguns, João Queiroz Filho, Sô Elísio Avidago, Pequeno
Magalhães, Sô Queiroga, os irmãos Geraldo e João Tolentino, o Wagner e por
último o Fernando do Mazinho. Diversos garçons passaram pelo bar. O Totonho,
filho do João Queiroz, Zé Júnior (neto do fazendeiro Sô Tão) e o Tarcísio
Caetano que virou personagem no samba do Josias
do Pombal.
Dou um pulo de 1962 ao ano 2020 para fazer
uma retrospectiva mais ampla.
Antigamente, a
cidade acordava junto com abertura do Bar
da ESQUINA. O meu pai, Prefeito José Vieira Neto (Zizinho do Marcílio), madrugador, fazia o café em casa, mas ia
depressa saborear o cafezinho no Bar da Esquina e, claro, saber das primeiras
novidades do dia. O Prefeito Sebastião Cruz tinha cadeira cativa,
postada à mesa ao lado da primeira porta do bar, no lado da Rua do Fundão (Sete de Setembro). Toda
manhã, cercado por fiéis escudeiros. Nos últimos tempos, eram o Dr. Jair
Dentista, José Bouzada, Zimbim (José Domiciano Soares) e Zé Carlos do Zé Bento.
Os adversários apelidaram o Sebastião Cruz de Caburé. Ele adotou o apelido, tornou-se um símbolo de campanha e
passou a colecionar corujas e caburés. O Jairo, filho do Prefeito Cândido Mendes, muitas
vezes, transportou o Sebastião Cruz da sua casa à Rua Vereador João Cézar de Matos
até o bar e depois o levava de volta à sua morada. Com isto, o Jairo tem muitos
casos para contar.
O Prefeito Élio
Lopes dos Santos foi outro assíduo frequentador do recinto, onde fez
alianças e articulações políticas, dividiu mesa com amigos e correlegionários.
Não era comum,
mas uma vez ou outra, aconteciam rodadas musicais. Tive o privilégio de
assistir Sô Nilo, ao violão, acompanhar Vicente do Dario e o Barão (Zé do Fio).
Muitos
negócios se realizaram entre um gole de café e um copo de cerveja. Compras de
fazendas, vendas de imóveis e boiadas, fofocas e verdades.
MARCO ZERO
É a ESQUINA que considero o MARCO ZERO. A confluência da Rua do Fundão (Sete de Setembro), Rua do Campo (Padre Baião), Ponte Raul Soares (derrubada na
enchente de 2012, hoje a Passarela João Tolentino) e a Rua dos Tocos(?) ou Rua Estoque(?), antes Conde de Conceição, hoje
João Januzzi, de Guidoval.
Tudo leva a
crer que foi neste local que Guido Thomas Marlière parou para descansar,
quando da sua primeira viagem do Presídio
São João Batista até a Serra da Onça.
Após percorrer, aproximadamente, três léguas, margeando o Rio Chopotó, parou, matou a sua sede, a de seus companheiros e deu
de beber aos animais que os transportavam. Teve a ideia e construiu uma casinha
de SAPÉ para um rápido repouso,
antes de seguir viagem. Guido Marlière não sabia, mas estava plantando uma
cidade. Em retribuição, os seus habitantes, lhe homenagearam denominando-se GUIDOVAL.
E o pintor, músico e poeta Domingos
Coelho da Silva registrou em uma de suas canções “Guidovalense de Guidoval”.
No final do
século XIX, residiu na então Freguesia
de Sant'Ana do Sapé o Dr. Manoel Basílio Furtado, médico, empresário e
historiador, que fez as primeiras anotações sobre Guido Marlière, tornando-se o primeiro biógrafo do nosso fundador.
Tirou algumas fotografias do lugarejo. Uma delas registra a ESQUINA, um esbarrancado, desnivelado,
que queria ser rua.
Esta situação
caótica perdurou até que o Prefeito Dilermando Teixeira de Magalhães, nos idos
de 1950, rebaixou e nivelou a rua, dando-lhe aparência de urbanidade. Mas para
executar esta obra teve que enfrentar descontentamentos dos moradores que
tiveram que adaptar as suas residências ao novo perfil topográfico. Surgiram os
casarões. Conta-se que houve revólver em punho, bravatas, enfrentamentos, antes
que as máquinas pudessem terraplanar o terreno.
Na década de
50, do lado oposto do Sobrado do Chico Caputo, existia o Casarão do Juca Damato, delegado da cidade por muito tempo. O
médico Dr.
Mário Geraldo de Meireles residiu na parte de cima e teve
consultório na parte debaixo, onde também tinha uma sinuca administrada pelo Sô
Nicolau, além de uma sala de carteado e uma vidraçaria. Meu tio José Gomes
morou neste casarão no final da década de 60. Depois foi demolido. O João
Tolentino de Souza edificou um prédio. Na parte de cima mora a sua Família. Na
parte debaixo abrigou a Minas Caixa e hoje o Banco do Brasil. Ao lado tem um
consultório e a FarmaCentro.
Do outro lado
da rua, entre a Rua do Campo e a ponte, ficava o Casarão do Sô Dionísio Maciel, que foi Juiz de Paz e Vereador. Na
parte de cima, como sempre, a moradia da família; na parte de baixo, por um
tempo, teve o comércio dos seus netos, Gilson e Dirceu, filhos do agente público
Gil Fontes de Queiroga. Era uma venda bem sortida. Fazia entregas a domicílio.
O delivery era feito, de bicicleta, pelo Zé Ratinho.
Na frente deste
imóvel, na noite do dia 25 de julho, acendia-se uma fogueira, erguia-se um Mastro
e no topo uma imagem da nossa Padroeira
Santana. A Congada, comandada pelo Benedito
Medeiros, simulava uma luta entre mouros e cristãos que sempre venciam. Com
muitas fitas e bandeiras coloridas, num bailado coreografado e dramático, cantorias,
ao ritmo de caixas de percussão, ganzás, taróis, pandeiros, reco-recos, acompanhados
por cavaquinho, violão, sanfona extasiavam o público presente. O que mais me
encantava era o ritmar dos chocalhos amarrados às pernas dos dançarinos, num sapatear
cadenciado. Para mim, o apogeu ocorria quando a espada do Benedito Medeiros,
riscando o chão de terra, tirava faíscas, em alguma pedra descuidada, parece
até que fora colocada ali de propósito. As fagulhas se confundiam com as chamas
da fogueira.
No convite da
primeira festa do “Dia do Guidovalense”,
em 1961, não constava da programação oficial este ritual da fogueira, Mastro de
Santana e Congada. A primeira aparição se deu em 1.964 informando que às 19
horas, do dia 25 de julho, haveria o “Levantamento do mastro com quadro da
Padroeira, junto à tradicional fogueira”. Somente em 1.969 começou a procissão
até Praça de Santana, mesmo assim saindo do Fundão, no Posto Esso do Sô Elísio Avidago. No ano seguinte, em 1970, a procissão
saiu da ESQUINA, confluência da Rua
Sete de Setembro com Padre Baião. Nos últimos anos, a procissão do Mastro sai
da Casa de Ana Marcília Ramos e José Dias, à Rua João Januzzi.
Do lado oposto
do Casarão do Sô Dionísio Maciel, a
lado da ponte, tinha uma casa que foi destruída pela enchente de 2.012.
MAS esta e outras histórias contarei em
outro post.
Pretendo percorrer toda a rua. Da Esquina
até o Largo.
Aguardem...
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