Insônia...
Dia incompleto de acontecimentos,
repleto de fantasias e realidades,
circulam-se fantasmas da madrugada,
o ronco da vida.
Uma doença ataca os mais fracos. FOME.
Pensamentos vagueiam por esquinas vadias,
percorrem montanhas tímidas
e telhados soturnos. DOR.
Em maquinações doentias,
transportam-me a um cenário de poder.
O poder de ser eu. PODER.
Divago inconseqüentemente.
Um trem caipira serpenteia a minha mente. SEMENTE.
Construindo estórias eloqüentes,
pé de vento que se desmancha
O êxtase da opulência ou a mágoa profunda da miséria. SENIL.
Simples como um camponês que vai a fonte matar a sede,
lavar o suor de um dia de trabalho. ESCRAVO.
Ato corriqueiro, ir ao teatro,
assistir a um espetáculo de Nelson Rodrigues,
Brecht, Vianninha, Millôr Fernandes. MENTIRA.
Os namorados de mãos dadas,
os velhos de mãos dadas,
o povo de mãos atadas.
Almas gêmeas. ALGEMAS.
Nada de novo,
não há mais milagres prá contar.
O gordo fazia mágicas com números. MINISTRO.
A realidade estremece
ao rigor da brisa do inverno.
Sob as marquises,
crianças, rapazolas amontoam-se sob jornais,
de notícias amarelecidas,
sobre o respiradouro,
calafetação do prédio,
viciado calor humano
que não afugentam a imundice.
Arco-íris do bem e do mal.
Diálogo sem metáforas,
frases soltas. INFERNO.
Lua diferente.
Rostos nunca vistos.
Desconfiança.
Conceitos nunca enfrentados.
Obstáculos a vencer.
A primeira face pode não ser a verdadeira. INCERTEZA.
Multidões de olhos te farejam como corvos,
olhares te acolhem na verdade não escrita. AUGÚRIO.
Caminhando na noite
desesperado busco a orgia.
Corpo farto à luxúria.
Descerra-se a cortina.
Casais seminus bailam
ao ritmo de sons, rataplãs,
uma luz vermelha, fugaz. ZONA.
Desamparado, rebusco refúgio,
nos braços morena escultural,
os lábios carnudos, formosa, solitária,
solidária de carinhos.
Trocam-se carícias contidas,
sussurros banais, gestos audaciosos.
O convite da noite faminta quer mais.
Sinopse de vidas repartidas,
as estrelas convidam a um contato maior.
Como um cego é guiado,
por mãos que o levam ao humilde lar. SOFREGUIDÃO.
Em impulso inesperado, vai-se afoito.
Adentram-se ruelas, estreitam-se os caminhos,
labirínticos becos da favela de má fama,
da má fama que há.
Descortina-se uma aventura fácil.
O amor não escolhe trilhos.
Os lábios da morena são por demais tentadores,
são ancas sinuosos, ondulantes,
provocadoras que desafivelam os obstáculos.
Menino novo, impetuoso,
segue o cheiro da fêmea que o faz destemido.
Caminha com a valentia dos medrosos
que já não mais podem retornar.
Cio de animais. SEXO.
A pobreza da favela se mostra de porta a porta.
Porta de madeira mal acabada.
As janelas não conseguem
dissimular a penúria de todo um ambiente.
Os gatos, os pardais e a coruja
assustados pelos cantos observam o passar a madrugada. MISÉRIA.
Juntos, abraçados,
como amantes eternos em lua-de-mel,
mãos deslizantes e bocas sedentas
parasitam-se de seivas suculentas. ALIMENTO.
Línguas se entrelaçam.
Babel de desejos se comunicando.
Tato, contato de cobiça, anseios.
Corpos se integrando.
Seios a amamentar lábios sequiosos. VOLÚPIA.
Língua a percorrer corpo,
poros, infinitamente amorosa,
a descobrir centímetros,
calafrios, frios, arrepios.
Rosados mamilos,
enrubescendo, intumescendo, ereto, vivo,
correspondendo a impetuosos apetites,
despejando desejos, latejando desejos. DESEJO.
Estremeço.
Sinto-me a corresponder,
mulata morena. FEBRIL.
Solidão desfeita em espasmos,
Corpos úmidos, unificados,
cordão umbilical refeito,
seiva do amor a transbordar. ORGASMO.
O suor macho-fêmea
quimicamente reagem
enchendo o ar de perfume doce. SUBLIME.
Os corpos descansam.
Mudas carícias iniciam novamente.
Reacende a chama, a fúria, a sede de amor. INCÊNDIO.
O malabarismo amoroso
refaz-se em novas posições.
Vai-e-vens, balé lubrificado de malícia. ALQUIMIA.
O feliz cansaço adormece os corpos saciados. ENFASTIA.
Insone,
permanece a rolar na cama na companhia
de impertinentes pernilongos insensíveis,
músicos grotescos e desafinados. VEXAME.
Nos desvãos da loucura,
escura solidão, vivência de
abandono. SÓ.
DEUS põe e dispõe. OMNIPRESENTE.
Água de bica
não tem lugar certo prá ir,
tanto pode ir para esquerda ou direita.
Encontra o caminho e vai. DESTINO.
Confusa cores e vozes,
difusas, roucas, finas e graves. MURMÚRIO.
Risos e choros,
gargalhadas e soluços. VIDA.
Nunca é demais,
nunca é sempre,
retorno ao início
factível, fictício
Dor do mundo,
dor imunda. FIM.
Ildefonso Dé Vieira - 27/10/1986 ( 21:40 Hs) 28/03/2000 (18:24 Hs)
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