...
E O ÔNIBUS FECHOU A PORTA
(crônica tirada do
Blog do Dr. Edison Cattete Reis)
- Garota, meu amigo, vi em Viena, num restaurante, uma gata,
cara! Quer que lhe diga uma coisa?
- Sim...
─ Ainda não vi, em Viena ou qualquer outra cidade do mundo,
pequena que mais me impressionasse. E olhe que eu sou exigente, heim? Mas
aquela me encheu as medidas! E, ao lhe ser apresentado, disse-lhe isto!
- Ah! Você, então, chegou a apresentações, a galanteios mesmo...
- Apresentações? Galanteios? Romualdo, meu chapa, posso lhe garantir
que eu tenho esta glória... Bem, mas não precipitemos. Do princípio é que se
começa. Estávamos o Cotrim, o Cardoso e eu no tal restaurante. Tínhamos acabado
de jantar e estávamos nos preparando para pagar a conta e sair, quando entra a
tal pequena acompanhada de uma amiga.
- Ah! Vinha acompanhada a moça?
- Sim. Por uma outra a que não prestei atenção, tão absorvido me
achava pela primeira, uma loura, de um louro assim...
Estávamos na fila do
ônibus, o tal sujeito que contava a história, o amigo que o ouvia e eu que
bisbilhotava a conversa.
Sol quente, rua deserta
em bairro longínquo, cabeça vazia de preocupações e aquela voz, por vezes
entusiasmada, dando mais ênfase à frase: ─ "uma visão, meu caro!" outras, serena, narrativa,
modulada em surdina, a fim de que a atenção despendida para ouvi¬-la
possibilitasse uma melhor compreensão do enredo.
- ... de um louro fulvo. A pele alvíssima. Os olhos enormes e incrivelmente azuis. Um sonho, a pequena! Assentou-se ali, numa mesa, junto de nós. Eu fiquei deslumbrado. Chamei a atenção do Cotrim e do Cardoso:
- ... de um louro fulvo. A pele alvíssima. Os olhos enormes e incrivelmente azuis. Um sonho, a pequena! Assentou-se ali, numa mesa, junto de nós. Eu fiquei deslumbrado. Chamei a atenção do Cotrim e do Cardoso:
- "Meus amigos, que filé!"
Os dois ficaram
boquiabertos. Resolvemos adiar o pagamento da conta e a saída. Conversamos,
conversamos, prolongando propositadamente os assuntos.
- ''A loura está te olhando." - disse, de repente, o Cotrim.
- ''A loura está te olhando." - disse, de repente, o Cotrim.
- Eu não acreditei. Você sabe lá o que é uma pequena daquelas, que
só com a sua presença me fizera ficar atônito, começar, sem que ninguém esperasse,
a demonstrar interesse por mim? É uma sensação incrível, você pode avaliar?
- Ah! Certamente!
Tão viva era a
descrição, que cheguei a pretender mais uns pormenores sobre a moça: tamanho,
talhe, timbre de voz, assuntos que conversava na mesa vizinha, traje, penteado,
gestual, charme, lábios, dentes, ouvidos, nariz e garganta.
Cheguei, mesmo, a dar um
passo à frente e esboçar um gesto.
Lembrei, porém, da minha
triste posição. Silenciei. A narração prosseguiu:
- O Cardoso, como você sabe, é gentilíssimo e, tendo também
observado a queda da pequena por mim e eu abilolado justamente por excesso de
interesse, não hesitou: levantou-se, acercou-se da mesa das moças, pediu licença,
assentou-se e, loquaz como ele só, pôs-se a parolar com elas. Disse maravilhas
a meu respeito, que eu era conde, tinha dinheiro, tinha iate e cavalos de
corridas. As meninas ficaram entusiasmadíssimas. Você sabe que, na Europa,
dizer-se a uma pequena que o cara é conde, tem dinheiro, cavalos e iate é o
mesmo que contar para um brotinho de Ipanema que se possui um carro último tipo
ou se fez um teste para galã de TV. A maravilhosa criatura, ao ouvir falar em
conde, em cavalos de corrida, em iates, ah! Desmanchou-se em sorrisos e redobrou
os olhares pro meu lado.
Em dois minutos, o
Cardoso se levantou, e, muito afável, convidou-as para nossa mesa.
- E elas aceitaram o convite?
- Aceitaram? Romualdo, elas não queriam outra coisa! Vieram.
O
Cardoso fez as apresentações. A danadinha era um filezinho com aqueles olhos
azuis fitando-me, plácidos, meigos, profundos. E o sorriso? E o ouro do cabelo
a resplandecer? E a conformação do rosto, isto assim de frente a dois passo de
mim? E o trejeito gracioso com que me estendeu a mãozinha macia?
Meu
caro, fosse eu um poeta, soubesse eu captar e poder transmitir todas aquelas
minhas emoções, naquele momento! Inspirar-me-iam poemas imensos, que abalariam
o mundo.
- Que pena, não? Perdemos essa obra prima.
- Não graceje, Romualdo. Era uma coisa indescritível. Disse-lhe do
prazer que tinha em conhecê-la e de como a sua estonteante beleza me fascinara.
Ela me interrompeu o cumprimento-declaração.
- "Pardonl Comment? Qu'est-ce que vous
avez dis?" Romualdo, meu caro, a garota não entendera uma palavra do que
eu dissera.
- Mas por quê? Era surda?
- Nada disso. Não entendia inglês e eu não falava uma palavra de
fran ...
- Olha o nosso ônibus!
O
veículo estacionou. Os dois o tomaram. Eu tinha pressa e o ônibus não me
servia. Hesitei um instante. A história me arrebatava, a loura espetacular me
fascinava. Estendi a mão para segurar o balaustre. O frescão bufou, cerrou-me a
porta na cara e abalou.
E
lá se foi a nossa história. A história da pequena alucinante de sorriso transbordante,
de porte esbelto, de trejeitos graciosos e olhos azuis translúcidos, que
lembravam a limpidez das águas do Arpoador antes que a quilha da primeira nau
colonizadora as conspurcasse.
E
ali fiquei eu, na rua deserta e tristonha, diante da porta inexorável que se cerrara
e do veículo que abalara.
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