Anito
Ferreira de Siqueira
Em 06/02/2008 fiz uma entrevista de 3 horas e 8 minutos com o Anito
Ferreira de Siqueira.
Este vídeo tem apenas 11 minutos de alguns trechos.
Nele, Anito fala de sua família, Dona Conceição, Terezinha Pacheco,
as viagens de caminhão, a gratidão pelo Edson (da Padaria) Andrade. Do jogo
entre Cruzeiro e Itararé, a sua paixão futebolística pelo Flamengo e as
partidas de Damas disputada com Zé Pinheiro, Geraldo Dornelas, Zizinho do
Marcílio, Walace Azevedo e Rolô do Gentil.
50 anos de Flamengo
(crônica dedicada ao grande flamenguista Anito Ferreira de
Siqueira)
Numa fria noite de segunda-feira o Anito Siqueira, com o caminhão
carregado de latas de massa de tomate, seguiu viagem ao Rio de Janeiro. Juntos,
na boléia estava o dono da carga, o industrial Rafael Cusati, o meu pai Zizinho
do Marcílio e eu, que ainda há pouco completara 10 anos no dia de São Pedro e
São Paulo.
Estávamos no início do inverno. Era dia 09 de julho de 1962. De
madrugada, ao passar dentro da cidade de Petrópolis caía uma forte chuva. Com
as ruas escorregadias, numa derrapada o veículo só não caiu dentro do rio que
corria dentro de um canal devido à perícia do motorista.
Antes do amanhecer, o carro estacionou no Mercado de São Cristovão
e aguardou o início do seu funcionamento. Perto das dez horas terminou a descarga,
de parte, das famosas “Massa de Tomate
Cusati”. Neste ínterim, eu fiquei na barraca do comprador, um português que
levara o neto, em férias, para passar o dia. Meninos quase da mesma idade, logo
travamos conhecimento e fomos conhecer a grande novidade do momento “uma tal de escada rolante”.
Para quem morava na pequena Guidoval, onde o progresso maior era o
telefone de manivela da Dona Ernestina e a máquina de beneficiar arroz do Bié
Linhares[1], a escada rolante tinha
ares de nave espacial. E lá fomos nós, duas crianças, subir e descer a escada.
No início, temerosos; depois mais confiantes, até arriscamos andar na
contramão. Absortos, nesta atividade enfadonha aos adultos, passamos parte da manhã
nesse sobe-e-desce até que o meu pai me chamou.
O Anito iria fazer outras entregas da mercadoria. Com mais da
metade da carga deixada no mercado, o caminhão saiu pelas ruas do Rio de
Janeiro. Eu fui para cima da carroceria e fiquei junto com o chapa do caminhão
que me serviu de cicerone. E ele mostrava “olha ali a Praia do Botafogo”. Era a
primeira vez que eu via o mar. Mais à frente, este é Palácio do Catete. Foi
aqui o Presidente Vargas suicidou-se. Olha o Hotel Copacabana Palace. Nele,
hospedam-se as celebridades que visitam o Rio. O chapa de caminhão falava com
orgulho da sua cidade e eu feliz, conhecendo a antiga capital federal, título
que ostentara até dois anos atrás.
À noite, como no samba do Wilson Batista “vai haver mais um baile no Maracanã” [2]. Jogava Flamengo e Canto do Rio, time de Niterói.
E fomos pro “maraca”: Rafael Cusati, tricolor; Anito Siqueira e o
seu cunhado Torres (casado a Terezinha), flamenguistas; meu pai, vascaíno; e eu,
uma criança que o papai tentava catequizar para o clube da cruz-de-malta.
Era terça-feira, 10 de julho de 1962. Com o coração aos pulos, entrei
pela primeira e única vez no maior estádio do mundo. Estava quase vazio. A encorpar
a torcida, na arquibancada tinha a famosa Charanga do Jaime de Carvalho. Ele
fazia um bolão de linha. O vencedor ganhava uma flâmula do Flamengo. Jogava no ataque
do time da Gávea Joel, Gérson (canhotinha de ouro), Henrique, Dida e Jair.
Éramos cinco. Cada um ficou com um atacante.
Aos 22 minutos do primeiro tempo Gérson lançou uma bola e Henrique
viu-se frente a frente com o goleiro, encobrindo-o com um leve toque[3].
Com a sorte dos principiantes, eu tinha saído com o número 9,
camisa do Henrique e fui pegar a minha flâmula[4] de brinde com o Jaime de Carvalho.
Depois Dida fez mais três gols, Jair fez dois e Gérson apenas um.
Uma goleada espetacular de 7 x 0.
Partida para eu nunca mais me esquecer. Depois do jogo o Anito
deixou o Torres em sua casa e retornou a Guidoval.
No caminho pernoitamos num posto de gasolina em Sapucaia. Chegamos
a Guidoval antes do almoço. Eu ainda era uma criança, mas agora flamenguista[5]. E uma “uma vez Flamengo, Flamengo até morrer...”
[1] Registro que o Bié Linhares, grande
cerealista nos anos 60, eternizou a frase “Bié,
falô tá falado”.
[2] Letra do “Samba rubro-negro” de Wilson
Batista
Flamengo
joga amanhã
Eu vou pra lá
Vai haver mais um baile no Maracanã
O mais querido
Tem Rubens, Dequinha e Pavão
Eu já rezei pra São Jorge
Pro mengo ser campeão
O mais querido
Tem Rubens, Dequinha e Pavão
Eu já rezei pra São Jorge
Pro mengo ser campeão
Eu vou pra lá
Vai haver mais um baile no Maracanã
O mais querido
Tem Rubens, Dequinha e Pavão
Eu já rezei pra São Jorge
Pro mengo ser campeão
O mais querido
Tem Rubens, Dequinha e Pavão
Eu já rezei pra São Jorge
Pro mengo ser campeão
Pode chover, pode o sol me queimar
Que eu vou pra ver
A charanga do Jaime tocar:
Flamengo! Flamengo!
Tua glória é lutar
Quando o mengo perde
Eu não quero almoçar
Eu não quero jantar
[3] Veja recorte do Jornal do Brasil
[4] A flâmula está no meu quartinho de
computador. Atrás duma flâmula do Galo. Uma hora eu explico o por quê. A
flâmula lembra os últimos títulos do Mengo. Os tricampeonatos de 43, 43, 44 e 53, 54, 55. Havia sete anos
que o Flamengo não era campeão. Ficaria, ainda, mais um. O jejum terminou em
1963.
[5] Papai, mesmo vascaíno, mas como um bom
democrata, aceitou o meu doce fardo de torcer pelo Flamengo.
Esta crônica eu também dedico a nossa vizinha, à época, Dona Nilza
Ribeiro (rubro-negra), esposa do alfaiate Sô Wilson (tricolor). Eles eram compadres
do papai. Dona Nilza muito me incentivou para eu torcer pelo MENGO. E eu nunca
me arrependi.
Um comentário:
Jogo Flamengo x Canto do Rio
Competição: Campeonato Carioca - 1º Turno
Data: 10/07/1962
Estádio: Maracanã
Time: Mauro, Joubert, Vanderlei, Luís Carlos, Jordan, Carlinhos, Gérson, Joel, Henrique, Dida e Jair Bala.
Gols do Flamengo: Dida(3), Jair Bala(2), Gérson e Henrique.
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