quinta-feira, 21 de junho de 2018

José Geraldo


José Geraldo

Recebi, hoje à tarde, a triste notícia do falecimento do meu amigo, o poeta José Geraldo, primogênito do saudoso casal Margarida e Isaías Geraldo.
O meu primeiro contato com o nosso poeta maior, assim eu o chamava, foi no início da década de 70, no Bar do (Tio) Oscar Occhi.
Neste recinto cantávamos e tocámos violão. Recitavam-se poesias, contavam-se piadas, faziam-se charadas, discutia-se política, religião e futebol. E nunca houve uma rusga, mais séria, entre os participantes.
Isto tudo regado a uma boa cerveja gelada, uma pinga da roça ou um traçado. De tiragosto, o melhor bife acebolado da região.

Eu, nos meus vinte anos, poderia ser considerado o caçula da turma. Os mais sábios e experientes, meus mestres, eram o Manoel Rufino (Zim do Sô Nego), José Geraldo, Professor Ibsen Francisco de Sales (Salim), Sô Odilon Reis e Sô Nilo, dentre muitos outros.
José Geraldo, na mocidade, foi estudar em Belo Horizonte e frequentou o Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), grupos de discussão filosófica, Marx, Engels, Platão, Sartre, Descartes, Schopenhauer. Este convívio lhe proporcionou vasta cultura, mas modesto, talvez tímido, ou certamente por sabedoria, não tentava ser melhor ou maior do que ninguém.
Em 1973, participei do IV FUMP (Festival Ubaense de Música Popular), e apresentei a música “Andorinha”, parceria que fiz com o José Geraldo.
Em 1976, o Renato Moreira da Silva, o Delegado, dirigiu um grupo teatral e encenou “Miscelânea Guidovalense”. Na época, José Geraldo, proprietário da “Loja Favorita” patrocionou os folhetos (folders) do espetáculo.
Em 1979, quando da inauguração da Sociedade Esportiva 66 (SER 66), estava presente como um dos sócios fundadores do Clube.
Em 1982, eu e a minha irmã Sueli Vieira Gomes coordenamos a publicação do livro “Saudade Sapeense” com textos de guidovalenses. Solicitamos ao José Geraldo que nos fornecesse algumas de suas poesias. Ele disse que os seus escritos estavam desaparecidos, mas não se furtou em fazer o poema “A PAZ” que enriqueceu o nosso modesto livreto.
José Geraldo lecionou no Ginásio Guido Marlière, foi comerciante, representante comercial, gerente da Manufatura Mineira de Tabacos, teve uma pequena indústria de calçados.
Agora, ultimamente, dedicava-se a paparicar os netos e a cultivar os amigos, inúmeros, que fez ao longo da vida.
Casado com a Professora Marilene Avidago Geraldo têm três filhos: Eduardo, Arnaldo e Paula.
Ao meu amigo José Geraldo, filósofo, pensador, escritor e poeta maior de Guidoval a minha singela homenagem.
Que DEUS o tenha e guarde na eternidade.

À Família, nossos sentimentos, solidariedade e preces.

(Ildefonso Dé Vieira, Lourdes e Thaís)


A PAZ
(José Geraldo)

A morte chegou, eu senti um arrepio.
Pensei no ataúde, no túmulo e na solidão.
Senti minh'alma vagar no vazio.
Declinei-me da ideia, com ódio no coração.

Recordei a vida de antanho, atribulado.
O sofrimento, a angústia, o desengano.
Senti meu ser inerte e amargurado,
Desejar amor em êxtase profano.

Adormeci! Não estava vivo, nem morto.
Sonhei! Nem ódio, nem amor de verdade.
Vaguei por mundos ignotos, absorto,
Longe de todos, de tudo e da maldade.

Na angústia da viagem sem norte,
E no afã da caminhada sem fim,
Descansei bem perto da morte,
E me senti muito longe de mim.

Ao derredor, no campo santo,
Mármores imponentes e multicores,
Traduziam todos, o desencanto,
Dos homens, dos ódios e dos amores.

No lenho largado no chão,
"Aqui jaz para sempre o amor",
Dizia a singela inscrição,
Contorcida com letras de horror.

Virei célere e esquivo,
Fugindo de medo para o canto.
"Aqui jaz o ódio", vi com olhos furtivos,
Na sebe orvalhada e em pranto.

Irritado, levantei-me fugaz
E num ato bastante impensado
Escrevi: "Aqui nasce a paz".
Acordei! Acordei plenificado.


ROBOT
(José Geraldo)

Corre! Grita o cérebro, corre tolo!
Anda, anda rápido bobo!
Corre, como máquina, o rolo.
Anda, como na estepe, o lobo.
Ontem a fera na caça à vítima
Hoje a esfera da raça lídima.
Faminta no deserto escuro,
Escravo do ferro e do aço duro.
O homem!... A máquina!.. Frenesi!
A fome!... a ilusão luzidia!...
O amor à máquina... a vida vazia.
Corre, grita ao cérebro, corre aqui.
Transmutação! Corre, corre!
Viva a ciência saturada
Tropeça, anda, cai e morre...
Foi homem... é máquina sagrada.
O tempo fumega e range,
No alto da torre e chaminé.
Corre, tolo! Grita a lâmina que tange,
O ferro bruto do cume ao sopé.
No altaraço o robô trepida...
Tem nas mãos o séquito sagaz...
A chapa da lei e da vida.
A tremular sangrenta e fugaz.
A lei é guerra atroz.
Corre, tolo! Corre agora!
Quem foi da sempre algoz,
Hoje máquina se enamora.
Ribombam motores que chegam,
Guincham homens e escondem,
Fugidios, moribundos, resfolegam,
O fumo mortal que produzem.
Corre tolo! Grita o cérebro, corre!
Sua essência agora controlada,
Vagueia louca, fundo e morre,
Na lama da vida programada.
Agora... corre fustigado,
Pelo aço que lhe persegue.
Caminha, trôpego e cansado
Para o forno, o seu albergue.


Só uma rosa, só
(José Geraldo)

Só uma rosa, só
no teu colo desnudo
deitada viçosa
viçosa calada.
O respirar profundo
de teu peito carnudo
sussura quase mudo
a só uma rosa, só.
Uma seara de espinhos
do amado e presente
Só uma rosa, só
no teu peito pungente.
Na primavera da vida
teu jardim floresceu
deu rosas queridas
que o verão feneceu.
Rosas na pedra, rosas em vão,
muitas promessas floridas
puras de amor, fingidas,
no jardim da ilusão.
Só uma rosa, só
guardas na tua lembrança
de jardim que sem dó
ceifou toda esperança.
Muitos jardins pela vida
dão rosas em profusão
Só uma rosa, só
permanece no coração.
Disse adeus e partiu
deixando só espinho
mas a rosa floriu
em meio do caminho.
Só uma rosa, só
da vida a colheita,
do jardim da existência
de ilusão tão desfeita.
Do colibri passa arredio
Só uma rosa, só
teu corpo permanece frio
volta o pássaro vadio.
Voa... paira... voa... paira
Só uma rosa, só
desce e beija
Só uma rosa, só.
Teu corpo estremece,
serpenteia, rola e derrama
uma lágrima que umedece
o ser desperto. O ser que clama.
A ave volta ao assedio;
Só uma rosa, só
enfim, ficou querida
preveu amor, deu guarida.
No chão pétalas de rosas e lágrimas
juntas, bem juntas lá
Só uma rosa, só
sorria da rosa... a rosa cá.
A rosa sorriu de cá
a rosa sorriu de lá
Só uma rosa, só
Só uma rosa pr’a mar.



ANDORINHA

É chegado o inverno. A andorinha esquiva busca o lar desfeito, sem guarida, sem calor. Esvoaça furtiva, faminta, solitária. Voa em volta de si mesma. Procura amor no tempo e no espaço. Nem o tempo acolhe, não há tempo. o espaço está cheio a derramar lágrimas a chover.
O vento soprando, lançou ao espaço as asas da ave. Ajudou a fugir de si. A encontrar as outras o vento que ajudou a fugir, ajudou também a voltar. A voltar novamente a si, ao novo lar, à nova vida.
Ela saiu de si para viver no tempo: - e no tempo (no espaço) a voar. Buscou no novo lar, nova dimensão, estabilidade para não mais sair.
O inverno de cá, passou a ser o inverno de lá, perdida no espaço, vadia perdeu o amor, ganhou o vento e o amou.
Voltou com ele qual amante louca e fugiu. Fugiu do inverno, fugiu de si, fugiu do vento. Mais uma esperança frustrada, mais uma ilusão desfeita.
O vento amou a companheira, a passageira o vento amou em vão. A ave amou demais.
- Morreu em busca da vida, enquanto o vento viveu em busca da vida.


ANDORINHA
(José Geraldo e Ildefonso Dé Vieira)

Bateu asas partiu...
O vento ajudou a levar...
O vento... o vento ajudou...
Ajudou... ajudou a voltar.

Partiu foi prá viver...
Viveu... viveu prá voar,
Voltou...
Voltou só prá esquecer,
Chegou...
Chegou só para amar.
O vento só levou...
O vento só buscou...
Só levou para salvar,
Só buscou...
Simplesmente por buscar.

Bateu suas asas e... fugiu,
O vento partiu prá não ver,
O vento se foi e... sumiu,
Sumiu só para esquecer.
Saiu... saiu só pra viver,
Voltou, voltou só pra sofrer,
Sofreu, sofreu só sem dizer,
Caiu... caiu só prá morrer.
O vento soprou só e... fugiu,
O vento passou e não viu,
Passou... passou sem ao menos chegar.

O vento voltou a ventar,
A asa parou de voar,
Voltou, voltou só a ventar,
Parou... parou só de voar.

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