Padre João Chrisóstomo Campos
Pároco em Guidoval por três períodos:
- 19-05-1940 a 28-02-1943
- 10-12-1943 a 10-08-1947
- 11-03-1950 a 30-10-1950
Tenho lembranças do Padre João. Minha mãe
contava que lá pelos meus três anos de idade eu gostava muito de comer cabeças
de galinha. Me diziam que o miolo (cérebro) de galinha era onde ficava o juízo
e quem comesse muita cabeça de galinha ficava com juízo de galinha. O Padre
João sabendo dessa estória, sempre que passava pela nossa rua, em suas andanças
pastorais, e me via, me fazia uma pergunta fatal: “Plinio, você tem juízo”? e
eu respondia: “tenho, Padre João”. E ele retornava: “de que”? e eu respondia:”
de galinha”. E ele caía em gargalhadas, mesmo que a resposta estivesse sendo
repetida.
Foi de suas mãos que recebi a primeira comunhão
no ano de 1944, quando tinha apenas cinco anos de idade depois de ser preparado
adequadamente pela então catequista D. Conceição Vieira.
Lá pelos meus sete ou oito anos ele se dispôs a
me ensinar, e também a outros garotos da época, a ajudar na celebração da Santa
Missa, respondendo a liturgia em latim. Com muita paciência e dedicação ensinou
a mim, ao meu irmão Aulo, ao Manoel Avidago, ao Simeão Cruz e seu irmão
Alcebíades, dos que me lembro.
Essa tarefa de coroinhas, ou também chamados
acólitos, incluía além de responder à liturgia, também bater os sinos da
igreja, chamando os fiéis para as missas e, no altar, durante essas,
devidamente paramentados com uma batina vermelha e sobrepeliz branca, com barra
rendada, bater as campainhas e levar até o sacerdote as galhetas com água e
vinho, momentos antes da consagração.
Com frequência surgiam desentendimentos entre
os coroinhas a respeito de quem faria o que durante as missas dos domingos e
dias santos, quando quatro ou mais compareciam ao altar para as funções,
considerando-se que apenas um levaria as galhetas e só havia duas campainhas.
Numa dessas entrei em desentendimento mais sério com um deles, não
me lembro se o Manoel ou o Simeão, e o Padre João, mesmo sendo muito amigo do
meu pai, o médico local, decidiu me suspender das funções e somente permitiu o
meu retorno depois de eu escrever-lhe uma cartinha me retratando com o colega,
pedindo a ele perdão pela minha falta de coleguismo e prometendo nunca mais
repetir tal conduta.
Mesmo muito constrangido, mas não querendo
abandonar a função de coroinha, não tive escolha senão me humilhar e escrever a
tal cartinha, que deveria também ser endossada pelo meu pai, demonstrando que
tomara conhecimento da situação.
Mesmo sendo muito enérgico, o Padre João quase
todas as tardes reunia a garotada nas proximidades da Casa Paroquial e brincava
com todos em forma de roda. Ao tempo em que a roda girava ele gritava:
passarinho voa? A reposta: voa; urubu voa? R.: voa. Alguma vez: boi voa? Um gaiato
respondia: voa; o padre caía em gargalhada e o coitado tinha que deixar a roda.
Assim seguia até que sobrava um para contar a história.
Com toda sua dedicação religiosa e compreensão
para com os fiéis católicos, era um ferrenho combatente do espiritismo, a ponto
de nós, ainda crianças, nos sentirmos em pecado só por termos passado na porta
do Centro Espírita local. Assim, quando eu tinha que fazer algum mandado de
minha mãe na Rua do Sacramento, logo que atravessava o Córrego da Lajinha,
tomava a calçada do lado oposto à do Centro.
O Dr. José Lincoln, um médico não mais
lembrado, mas que atuou em Guidoval, juntamente com o meu pai, o Dr. Mário, nos
anos da Segunda Guerra e algum tempo depois, me contou em Belo Horizonte, já
nos seus 85 anos de idade, duas histórias sobre o Padre João.
A primeira era que, quando um espírita se
mudava para uma casa próxima à igreja, o Padre João o atormentava até que o
coitado acabava se mudando de lá.
A outra é que, apesar da sua convicção
religiosa católica, o Padre era adepto do Integralismo. Assim num certo ano
(não me lembro qual) durante a guerra, o Delegado de Polícia de Ubá intimou
para depor na sua delegacia o meu pai, o Dr. José e o Padre João, todos
integralistas. Os dois primeiros chegaram antes e esperavam pelo padre em um
bar próximo, tomando uma cerveja.
Algum tempo depois chegava o Padre João com uma
mala enorme. Espantados, perguntaram-lhe se ia fugir, e ele respondeu: “da
última vez que vim aqui depor o delegado me prendeu e eu passei frio, fome e
sede. Desta vez estou trazendo agasalho, água e biscoitos”.
De qualquer forma, foi um pároco muito querido
e respeitado no antigo Sapé de Ubá, e suas ações condiziam com o comportamento
naquele momento histórico, onde o padre tinha grande autoridade na sua paróquia.
Naquela época, quando um fazendeiro convidava o
padre para uma celebração na região da sua fazenda, também compareciam outras
autoridades locais. Geralmente depois da missa era oferecido um gran-de almoço,
um banquete mesmo, onde os melhores pedaços do frango eram para o padre (médico
das almas), os seguintes melhores para o médico do corpo e, os demais...
Nessas ocasiões nós, os coroinhas, nos
deleitávamos como auxiliares do padre e aproveitávamos gulosamente da mesa. O
Manoel Avidago chegava mesmo a afrouxar o cinto.
Mesmo não sendo um saudosista que gostaria de
voltar o tempo e reviver o passado, me recordo com prazer aqueles momentos
alegres e descomprometidos que vivíamos, num momento em que o mundo girava mais
lento e tínhamos menos pressa para tudo.
Bom mesmo foi que eu estive lá, vi acontecer,
agora estou aqui e estarei ainda por não sei quanto tempo mais, em futuro
próximo ou longínquo.
Brasília, 27 de agosto
de 2013
Plinio Augusto de
Meireles
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