terça-feira, 22 de abril de 2014

Tempos de quaresma (Maria das Graças Santos Carmo)



NÃO DÁ PARA ESQUECER  DOS  MEUS  OITO  ANOS  EM Tempos de quaresma

(texto de Maria Das Graças Santos Carmo, a Gagaça da Aparecida do Benjamin)

Minha avó era beata. Não perdia uma só missa. Eu ia junto. Morava com ela desde cedo. Em todas as celebrações tudo ia muito bem, mas o tempo da quaresma era um tormento para mim.
Entrava e saía da igreja de cabeça baixa, suando frio, vestida num casaco de lã cor-de-rosa com pontos pretos, abotoado de cima a baixo. Os santos, nos altares, todos cobertos com mantos roxos, as flores eram roxas, até o corpo e alma dos fiéis estavam cobertos de roxo.
Quando chegava semana santa o sofrimento era dobrado. A B.U me assustava, talvez pelo mistério que girava em torno dela. Eu não sabia quem era a dona daquela voz e ninguém me contava. Quando ela cantava e a matraca tocava, eu me enroscava na saia de minha avó. Era o terror instalado.
Os cantos entoados nas procissões da semana santa me faziam chorar, ficar com meu coração apertado, triste, pensando na dor de nosso Deus pela morte de seu filho Jesus. Minha mãe... Meu pai... Minha família...
E assim o pranto rolava, de verdade em meu rosto, enquanto peregrinava prelas ruas e morros seguindo o serpentear da procissão, cantando, rezando, me benzendo... Eu torcia para que todo aquele tom melancólico da procissão do enterro escorresse rua abaixo e fosse se afogar nas águas da cachoeira.
"Segura a vela direito, Maria, vai pingar em quem está na sua frente!" E o desfiar da ladainha, das ave-marias e pai-nosso, em tom melancólico e arrastado só era interrompido algumas vezes para a banda tocar marchas fúnebres, atrás do andor, com o Senhor dos Passos ajoelhado, carregando "nossa cruz".
Naquela semana das dores, depois de tantas participações juntamente com minha avó- eu não tinha mais que oito anos- eu chegava em casa, na noite da sexta-feira santa, inchada de tanto chorar, depois de assistir às encenações das dores de Maria, da crucificação de Jesus e do descendimento da cruz. Só me restava, naquele fim de noite,o café com leite quentinho que ela já deixava pronto, era só esquentar, um pedaço de pão doce e dormir.
O Domingo de Páscoa era a minha "Aleluia"! Os santos voltavam a respirar aliviados, livres das vestes roxas e eu também. A missa daquele domingo se tornava mais leve, apesar do padre Oscar ainda celebrar de costas para o povo e eu fazer de conta que entendia tudo o que ele dizia em latim.
 Quando nos abraçávamos, desejando um ao outro "Feliz Páscoa" eu me sentia verdadeiramente renascida para uma nova vida.
Era o domingo de páscoa a minha libertação do pesadelo da quaresma que certamente muitas outras crianças também viviam e que só nós , os pequenos sabíamos como era.

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